Em transmissão ao vivo, o biólogo Richard Rasmussen defende que a leoa em zoológico apenas reagiu ao invasor, desmonta teorias sobre fome e maus tratos, critica a omissão do Estado com o jovem vulnerável e alerta para o risco de eutanásia precipitada do animal em um caso que dividiu opiniões.
No dia do ataque, registrado em vídeo e amplamente compartilhado nas redes sociais, a leoa em zoológico apareceu primeiro calma, atrás das grades, enquanto visitantes fotografavam o felino em aparente tranquilidade. Minutos depois, o cenário mudaria completamente, quando um jovem escalou a estrutura e entrou no recinto, desencadeando a reação do animal.
O caso ganhou contornos de tragédia social. O rapaz, que fora encontrado sozinho na estrada aos 10 anos, sem família estruturada, passou a vida em abrigos, acumulou passagens pela polícia e nutria o desejo declarado de “domar leões”. Para Richard Rasmussen, a história é, ao mesmo tempo, um retrato da falência do Estado na proteção de um vulnerável e um risco real de punição injusta à leoa, que agora pode ser eutanasiada.
Quem era o jovem e como ocorreu o ataque

Relatos de quem acompanhou a trajetória do rapaz indicam um histórico marcado por abandono, conflitos com a lei e episódios de confronto com autoridades.
Ele teria sido recolhido ainda criança na beira de estrada, passado por abrigos e, na adolescência e vida adulta, acumulado registros de prisão e de dano ao patrimônio, como quebrar viaturas policiais.
Testemunhas citadas na discussão relatam que, antes de entrar no recinto, o jovem mantinha um comportamento de desafio.
Mas, ao perceber que a leoa em zoológico realmente tinha acesso a seu corpo, teria começado a gritar e pedir socorro, num momento tardio de lucidez.
Para alcançar o animal, ele teria escalado uma tela alta e usado uma árvore interna ao recinto para descer, contornando todas as barreiras projetadas para impedir justamente esse tipo de invasão.
A leitura de Richard Rasmussen sobre o comportamento da leoa
Ao comentar o caso, Richard Rasmussen se posiciona de forma contundente em defesa da leoa em zoológico.
Na avaliação do biólogo, o felino estava “no canto dela”, em rotina normal, até ser surpreendido pelo comportamento absolutamente atípico de um humano invadindo o recinto por cima, como se “descesse de uma árvore” para dentro do território do animal.
Segundo Rasmussen, mamíferos de grande porte, como leões e leoas, dão sinais previsíveis de desconforto e alerta, e são profundamente sensíveis à quebra de rotina.
A entrada súbita de uma pessoa, por cima da área de contenção, é o tipo de estímulo que dispara uma reação instintiva.
Para ele, a leoa agiu exatamente como uma leoa agiria em qualquer lugar do mundo, diante de uma invasão de seu espaço, sem indicar um padrão de crueldade ou de “animal problema”.
Um ponto central levantado pelo biólogo é que o felino não devorou o jovem.
Na visão técnica, isso é um indicativo forte de que não se tratou de um ataque de caça motivado por fome, mas de uma resposta de defesa territorial e surpresa.
“Se tivesse fome, teria comido”, resume, rebatendo versões nas redes sociais que atribuem o ataque a supostos maus tratos ou falta de alimentação.
Protocolos de segurança: o que acontece em recintos com grandes felinos
Rasmussen também aproveitou a repercussão para explicar como funciona, na prática, o manejo de uma leoa em zoológico.
Segundo ele, tratadores não entram no recinto principal com o animal.
O contato é feito por meio de grades, e o acesso à área onde o felino circula é liberado apenas após um procedimento de “cambiamento”, quando a leoa é conduzida para um espaço menor e seguro, onde recebe alimentos ou cuidados médicos.
O biólogo lembra que recintos para grandes felinos são projetados com múltiplas camadas de proteção, justamente partindo do princípio de que nenhum humano deve ter contato direto com uma leoa em zoológico.
Por isso, avalia que o episódio é uma exceção extrema, na qual alguém deliberadamente escala estruturas que não são destinadas ao público.
Sobre o uso de tranquilizantes, Rasmussen reforça que a expectativa de uma resposta “de filme” não condiz com a realidade.
Preparar arma, municiar com dardo, acertar o alvo e aguardar o efeito do anestésico leva tempo, especialmente em situação caótica, com gritos, sangue e risco iminente para uma vida humana.
A janela de segundos em que tudo ocorreu torna irreal a cobrança de uma reação perfeita por parte da equipe.
Demonização de zoológicos e disputa por narrativa
Outro eixo relevante da fala de Richard Rasmussen é a crítica à crescente demonização de zoológicos.
No caso específico da leoa em zoológico, ele lembra que o animal está em cativeiro há anos, sob rotinas de manejo, alimentação e estímulo ambiental pensadas para reduzir estresse e evitar sedação constante.
Em paralelo, o biólogo menciona a atuação de santuários que já teriam se mobilizado para tentar retirar a leoa do local, sob o argumento de que o ambiente de um santuário seria mais adequado.
Para ele, a discussão acaba desviando o foco: o ponto crítico não é o zoológico, mas a invasão de um recinto de alto risco por um jovem em situação de vulnerabilidade extrema, sem que o Estado tivesse conseguido oferecer tratamento e acolhimento adequados ao longo da vida desse rapaz.
Falha estrutural do Estado e a vítima invisível do sistema
Ao chamar o jovem de “vítima da sociedade”, Rasmussen dirige a crítica principal ao poder público.
O histórico de abandono, passagens reiteradas por órgãos de proteção e pela polícia, além de distúrbios de comportamento relatados, compõem, na visão do biólogo, um quadro claro de vulnerabilidade.
O Estado teve inúmeras oportunidades de intervir antes que o jovem escalasse a tela de um recinto com uma leoa em zoológico, e não o fez de maneira eficaz.
O resultado é uma tragédia que agora tende a ser tratada apenas como “um ataque de animal”, apagando anos de falhas em políticas de assistência social, saúde mental e inclusão.
Risco de eutanásia e a discussão sobre responsabilidade
Um dos pontos que mais preocupam especialistas e defensores de animais é a possibilidade de eutanásia da leoa.
Em diversos países, protocolos preveem que animais que matam humanos possam ser abatidos, especialmente quando se tornam “habitualmente perigosos” ou quando se alimentam de carne humana.
No entanto, Rasmussen insiste que não há evidência de que a leoa em zoológico tenha se tornado um risco adicional após o episódio.
O ataque, para ele, foi circunstancial e diretamente ligado à conduta humana de invasão.
Apontar o felino como culpado, nesse contexto, significaria ignorar totalmente a cadeia de decisões e omissões que levou um jovem com histórico de trauma e abandono a escalar uma jaula com um grande predador.
Na avaliação do biólogo, caso a leoa seja eutanasiada, o país terá produzido um duplo fracasso: não apenas falhou com um cidadão vulnerável, como respondeu à própria falha punindo um animal que agiu de forma instintiva, dentro do território em que estava confinado e sob regras que os humanos violaram.
Um debate que vai muito além de um único caso
O episódio reacende discussões sobre como o Brasil lida com animais selvagens em cativeiro, com jovens em situação de risco e com a pressão das redes sociais sobre decisões técnicas sensíveis.
De um lado, há a dor concreta de uma vida perdida e a indignação legítima de quem assiste às imagens. De outro, a necessidade de separar emoção, desinformação e busca por culpados fáceis, para evitar decisões precipitadas como a eutanásia da leoa.
Ao trazer sua visão técnica, Richard Rasmussen tenta deslocar o foco do vilão automático para um olhar mais amplo: o da responsabilidade do Estado, o do manejo adequado de grandes felinos em cativeiro e o da compreensão do comportamento animal.
A partir daí, a sociedade precisa decidir que tipo de resposta quer dar a esse caso: se baseada em instinto de vingança ou em critérios racionais e de justiça.
Para você, diante de tudo isso, a leoa deve ser preservada como animal que apenas seguiu seu instinto ou eutanasiada como resposta ao ataque?


[…] Numa rotina em que o consumo de eletricidade é mínimo, a fazendeira solitária de 70 anos organiza o calendário de plantio, colheita e manejo de animais para alimentar cerca de 20 famílias com verduras, raízes, grãos, ovos e conservas. Cada decisão passa pela leitura do solo, do clima e do comportamento dos cavalos, numa agricultura de proximidade em que o erro não é estatística, mas impacto direto na despensa de quem depende daquela terra. […]