Fraude do café revela como o café brasileiro vira café torrado com impurezas no café liberadas pela Anvisa enquanto marcas exploram o consumidor.Fraude do café revela como o café brasileiro vira café torrado com impurezas no café liberadas pela Anvisa enquanto marcas exploram o consumidor.

Enquanto o café brasileiro exporta quase toda a produção, a fraude do café deixa ao consumidor um café torrado cheio de impurezas no café liberadas pela Anvisa, com grãos queimados, cascas, areia e insetos considerados aceitáveis dentro de limites legais que raramente aparecem nos rótulos para o público em geral

Em junho de 2024, uma operação do Ministério da Agricultura e Pecuária e a divulgação de 14 marcas e 24 lotes de café suspensos como impróprios para o consumo recolocaram o café brasileiro no centro de um debate incômodo. A fiscalização mostrou que, muito antes de qualquer fraude grosseira, o padrão aceito de café torrado já prevê impurezas no café dentro de margens consideradas “seguras”, mas totalmente desconhecidas pela maior parte dos consumidores.

Ao mesmo tempo, dados de produção e exportação revelam um cenário em que o café brasileiro de melhor qualidade deixa o país, enquanto o mercado interno absorve grãos inferiores, torrados quase até a queima para maquiar defeitos e misturas. A combinação de exportação agressiva, impurezas no café liberadas pela Anvisa e fiscalização pontual alimenta a sensação de que a fraude do café é estrutural, não episódica, e atravessa desde a plantação até a prateleira do supermercado.

Café brasileiro exporta o melhor e deixa o resto para o mercado interno

Fraude do café revela como o café brasileiro vira café torrado com impurezas no café liberadas pela Anvisa enquanto marcas exploram o consumidor.

O café brasileiro ocupa uma posição paradoxal: é o maior produtor e exportador de café do mundo e, ao mesmo tempo, entrega ao consumidor interno um padrão de qualidade claramente inferior. A expectativa para 2024 é de produção de 66,3 milhões de sacas, alta de 4% em relação a 2023.

Apesar disso, na safra 2023/2024 o país exportou 47,3 milhões de sacas, o que corresponde a quase 90% do total produzido. Na prática, apenas cerca de 10% do café brasileiro fica no país, justamente a fração que abastece o café torrado do dia a dia. O consumo é intenso: em média, o brasileiro toma 3,8 xícaras por dia, chegando a 7,1 xícaras no Mato Grosso, o que torna o Brasil o segundo maior consumidor de café do mundo.

Ao contrário da percepção de que “todo café é igual”, a qualidade varia fortemente. Fatores como região de cultivo, tipo de grão e processo de torra determinam cor, aroma e sabor. Grãos mais dourados, com torra curta, preservam acidez e notas delicadas; já os grãos muito escuros, fruto de torra prolongada, tendem a produzir uma bebida amarga e queimada, frequentemente vendida como “Forte” ou “Extra Forte”.

Especialistas como o consultor de consumo e cafeicultor Nelson Barrizzelli são taxativos ao afirmar que o café brasileiro tradicional, consumido em massa, é um café de qualidade inferior, torrado quase até a queima para esconder defeitos de matéria-prima e impurezas no café. Segundo ele, o consumidor precisaria “reaprender a tomar café”, porque o padrão que domina as gôndolas não representa o melhor que o país pode produzir.

Como a regulação aceita impurezas no café torrado

Fraude do café revela como o café brasileiro vira café torrado com impurezas no café liberadas pela Anvisa enquanto marcas exploram o consumidor.

O ponto mais sensível da discussão é o fato de que a própria regulação admite impurezas no café como parte do padrão oficial. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, estabeleceu em 2014 a RDC 14, um conjunto de normas que define quanto de matéria estranha pode ser tolerado em alimentos sem, em tese, causar risco à saúde.

No caso do café torrado, a RDC 14 permite:
60 fragmentos de insetos para cada 25 gramas de café torrado moído
1% de impurezas como cascas e paus
1,5% de areia

Traduzindo em termos práticos, um pacote de 500 gramas de café brasileiro pode conter cerca de 5 gramas de cascas de madeira e outros resíduos, além de areia e fragmentos de insetos, e ainda assim ser considerado regular. Essas impurezas no café não aparecem destacadas no rótulo e são tratadas como parte da “normalidade” produtiva, algo distante da percepção de quem associa o café nacional apenas a tradição e qualidade.

O resultado é um cenário em que a fraude do café não se limita a casos extremos de adulteração, mas também à distância entre o que a lei permite e o que o consumidor imagina que está levando para casa. A Anvisa, ao admitir níveis de impurezas no café torrado, traça uma linha tênue entre tolerância técnica e complacência com um padrão de qualidade rebaixado.

Operação Valoriza expõe limites ultrapassados em 14 marcas de café

O ponto em que a tolerância regulatória terminou e a fraude do café ficou evidente foi a chamada Operação Valoriza, que fiscalizou 168 amostras de café em todo o país. Em junho de 2024, o Ministério da Agricultura e Pecuária divulgou lista de 14 marcas e 24 lotes considerados impróprios para consumo.

Esses cafés apresentavam matéria estranha e impurezas no café acima dos limites aceitos pela RDC 14. Em imagem enviada pelo ministério a veículos de imprensa, era possível visualizar cascas de café, pedaços de pau, milho e até coco de açaí em amostras analisadas. Em um dos lotes, a composição incluía 1,83% de cascas e paus, 7,90% de milho e 0,29% de areia, pedras e torrões.

Mesmo itens que a Anvisa admite dentro de margens “controladas” extrapolaram valores, levando à classificação de “impróprio para o consumo”. A mensagem implícita é que o café brasileiro chega ao consumidor com impurezas no café como regra, e só vira manchete quando marcas passam do limite já generoso estabelecido pela regulação.

Para o consumidor, a consequência é dupla: paga por café torrado que pode ter quantidade relevante de material que não é grão e, ao mesmo tempo, depende de operações esporádicas para descobrir quais marcas ultrapassaram até mesmo essa barreira.

Especiarias, molhos e produtos de limpeza repetem o padrão de risco

A discussão sobre impurezas no café e a atuação da Anvisa não se limita ao café brasileiro. A mesma RDC 14 alcança outros alimentos, como molhos de tomate, chás e especiarias, e admite presenças como fragmentos de insetos, partes de roedores, excrementos de animais e fungos dentro de padrões considerados aceitáveis.

O histórico recente de recall de alimentos mostra que, em vários casos, as empresas ultrapassam esses limites. A Fugini, conhecida pela produção de molhos de tomate, conservas e maionese, teve a fabricação, comercialização e distribuição suspensas em março de 2023 após inspeção da Anvisa e de órgãos de vigilância sanitária de São Paulo e de Monte Alto.

A fiscalização encontrou problemas graves de boas práticas de fabricação, com condições inadequadas de higiene, falhas no controle de qualidade e na segurança das matérias-primas, falta de controle de pragas e deficiência de rastreabilidade. Lotes de maionese produzidos entre dezembro de 2022 e março de 2023 precisaram ser recolhidos por uso de corante vencido, e houve também investigação por possível contaminação em molhos de tomate.

Em maio de 2024, foi a vez de uma marca de limpeza amplamente presente nos lares brasileiros. Determinados lotes de detergente Ypê, produzidos entre julho e dezembro de 2022, foram suspensos e recolhidos após identificação de potencial risco de contaminação microbiológica. A empresa, presente em cerca de 95% das casas do país e escolhida 552 milhões de vezes em 2022, segundo a Kantar, informou que havia possibilidade de descaracterização de odor, mas afirmou não haver risco à saúde. Ainda assim, a decisão da Anvisa evidenciou que até produtos não alimentares podem expor o consumidor a padrões de segurança frágeis.

Fórmulas e probióticos mostram que o problema vai além do café brasileiro

Casos envolvendo fórmulas infantis e probióticos elevam o nível de gravidade. Em janeiro de 2024, a Anvisa proibiu a importação, venda e uso de seis lotes da fórmula infantil Nutramigen LGG por risco de contaminação por Cronobacter sakazakii, bactéria associada a meningite em bebês, enterocolite necrosante, bacteremia e infecções generalizadas.

O público-alvo da fórmula são recém-nascidos, prematuros, bebês de baixo peso e imunossuprimidos, justamente o grupo mais vulnerável a complicações graves. A medida foi tomada após alerta da agência reguladora americana e levou ao recolhimento do produto no Brasil, importado sob responsabilidade da Mead Johnson do Brasil.

Em março, quatro lotes do probiótico Neogermina, produzido pela Brainfarma, também sofreram suspensão por presença de partículas estranhas. O produto, vendido como suplemento de Bacillus clausii para equilíbrio da flora intestinal e prevenção de doenças infecciosas e inflamatórias, passou por recolhimento voluntário após comunicação do fabricante.

Esses episódios reforçam que o problema não se restringe ao café brasileiro nem apenas a impurezas no café. Eles apontam para uma cultura de controle que muitas vezes reage tardiamente, depois que produtos potencialmente perigosos já chegaram às prateleiras e, em alguns casos, à mesa de consumidores em situação de maior fragilidade.

Confiança abalada e necessidade de punições mais duras

Diante do conjunto de casos, o consumidor se vê em uma posição ambígua: de um lado, confia na regulação da Anvisa e em operações como a que expôs 14 marcas na fraude do café; de outro, descobre que seu café brasileiro de todo dia, rotulado como café torrado dentro dos padrões, pode conter cascas, paus, areia, fragmentos de insetos e outras impurezas no café sem qualquer alerta claro na embalagem.

Quando produtos só são retirados após denúncias, operações específicas ou alertas internacionais, cresce a percepção de que as empresas contam com baixa probabilidade de fiscalização e penalização efetiva. Em casos mais graves, como fórmulas infantis e probióticos, a consequência potencial é adoecimento de quem justamente buscava melhorar a saúde.

Para recuperar a confiança, especialistas em consumo e segurança sanitária defendem punições mais severas para empresas reincidentes, especialmente quando não promovem recolhimento voluntário diante de desvios. A discussão sobre café brasileiro e fraudes em alimentos passa, portanto, por revisar limites de impurezas, ampliar transparência nos rótulos e fortalecer a capacidade de fiscalização da Anvisa e de outros órgãos de controle.

Na sua opinião, o café brasileiro que você prepara todos os dias ainda merece confiança ou já passou da hora de exigir rótulos mais claros, menos impurezas no café e punições mais duras para as marcas que abusam da lei?

Autor

  • Bruno Teles

    Falo sobre tecnologia, inovação, automotivo e curiosidades. Atualizo diariamente sobre oportunidades no mercado brasileiro.
    Com mais de 7.000 artigos publicados nos sites CPG, Naval Porto Estaleiro, Mineração Brasil e Obras Construção Civil.
    Alguma sugestão de pauta? Manda no brunotelesredator@gmail.com

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *