A colônia japonesa em Tomé-Açu mostra como a imigração japonesa transformou solos degradados com sistemas agroflorestais e ajudou a recuperar a agrofloresta na Amazônia.
Entre guerra, doenças e fracassos agrícolas, a colônia japonesa fincou raízes na Amazônia e fez de Tomé-Açu um laboratório vivo de sistemas agroflorestais que hoje inspiram quem busca agrofloresta na Amazônia sem desmatar.
Ao ouvir falar em colônia japonesa no Brasil, muita gente pensa logo em São Paulo, no bairro da Liberdade e nas ruas cheias de lanternas vermelhas. Mas, longe dali, foi em Tomé-Açu, no interior do Pará, que uma frente menos conhecida da imigração japonesa fincou raízes em plena floresta amazônica, montou roças, ergueu templos e deu origem a um modo de produzir que hoje é referência em sistemas agroflorestais.
Ali, uma colônia japonesa que chegou para abrir mata e derrubar árvores acabou se tornando exemplo de recuperação ambiental. Depois de enfrentar malária, guerra, pragas e crise econômica, essas famílias transformaram áreas degradadas em uma espécie de agrofloresta na Amazônia, onde cacau, açaí, pimenta, frutas e espécies nativas crescem juntos, devolvendo vida ao solo e à paisagem.
De Hiroshima à floresta amazônica: o começo da colônia japonesa
Quando as primeiras famílias da imigração japonesa desembarcaram em Tomé-Açu, nos anos 1920, o plano era simples: ficar alguns anos, juntar dinheiro e voltar para o Japão. Na prática, o que aconteceu foi o contrário. Muitos nunca mais voltaram. Moraram, trabalharam e morreram na Amazônia, deixando uma colônia japonesa enraizada no Pará.
Hajime Yamada, hoje com mais de 90 anos, é um dos símbolos dessa história. Ele chegou em Tomé-Açu ainda criança. Morava com a família em uma casa de madeira, coberta de cavaco, piso de chão batido, quase sempre montada com a madeira da mata que eles mesmos derrubavam. Vida simples, dura e de muita incerteza.
Ao mesmo tempo, havia a memória de um Japão distante, pequeno em território e com poucas perspectivas para quem queria terra. Para muitos pais, a imigração japonesa era a chance de dar aos filhos aquilo que o Japão não tinha: espaço. No Brasil, receberam lotes para plantar arroz, feijão, verduras, fumo, cacau. Era o início de uma colônia japonesa que ainda não fazia ideia de como a Amazônia mudaria seu destino.
Guerra, vigilância e feridas invisíveis
O que parecia apenas uma aventura agrícola virou drama geopolítico com a Segunda Guerra Mundial. Quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, os integrantes da colônia japonesa passaram a ser vistos como inimigos em potencial.
Havia regras rígidas. Três japoneses conversando na rua podiam ser motivo de prisão. Muitos relatam que se sentiam vivendo quase em um campo de concentração. A colônia japonesa de Tomé-Açu passou a ser vigiada, controlada, vigiada de novo. A liberdade de ir e vir foi cortada de forma brutal.
Para Hajime Yamada, o fim da guerra trouxe alívio e dor ao mesmo tempo. Ele era de Hiroshima. Ao saber que sua cidade natal havia sido destruída pela bomba atômica, percebeu que, de certa forma, a imigração japonesa o havia salvado. Se tivesse ficado no Japão, talvez não estivesse vivo. O Brasil, e especificamente Tomé-Açu, deixava de ser apenas um destino temporário e passava a ser casa definitiva daquela colônia japonesa que agora tinha raízes nas margens da Amazônia.
Pimenta-do-reino, riqueza e colapso dos monocultivos
A fase de maior prosperidade da colônia japonesa em Tomé-Açu veio a partir dos anos 1960, com a pimenta-do-reino. Os preços no exterior subiram, o mundo queria o tempero, e várias famílias da colônia japonesa passaram a investir pesado nessa cultura.
Pimenta, pimenta e mais pimenta. Monocultivos tomaram grandes áreas. Para abrir espaço, queimava-se floresta. A cada área nova, o padrão se repetia: corte raso, fogo, plantio. Era a lógica da época. E por um momento parecia que a estratégia tinha dado certo. O dinheiro começou a circular, o comércio cresceu, templos e prédios importantes foram erguidos em Tomé-Açu.
Mas o solo tem memória. E a natureza cobra. Na década de 1970, uma praga conhecida como fusariose atacou as plantações. Em poucos anos, a base econômica da colônia japonesa ruiu. Os pimentais foram sendo dizimados, a renda desapareceu e muitos agricultores se viram sem alternativa. Foi uma crise profunda, que não afetou apenas números, mas a própria identidade da comunidade.
Diante desse cenário, alguns voltaram os olhos novamente ao Japão, agora industrializado e rico, e decidiram tentar a vida como trabalhadores nas fábricas. Outros escolheram ficar em Tomé-Açu e reinventar o futuro da colônia japonesa na Amazônia.
Do templo vazio ao renascimento na terra
A crise da pimenta-do-reino deixou marcas que não eram só econômicas. O templo budista de Tomé-Açu, que já foi ponto central da colônia japonesa, foi esvaziando aos poucos. Com famílias divididas entre Japão e Brasil, e com uma geração mais jovem em busca de outros caminhos, o budismo perdeu força no dia a dia.
Mesmo assim, a colônia japonesa continuou ligada à terra. Muitos agricultores decidiram permanecer, mesmo sem garantia de renda. Gente como Tamó, que chegou a trabalhar em fábrica no Japão e voltou para reassumir a propriedade do pai em Tomé-Açu, mostrou que a imigração japonesa tinha virado algo mais do que um movimento de ida e volta. Tinha se transformado em permanência.
É nesse ponto que a história muda de rota. Em vez de repetir o modelo que levou à crise, uma nova geração de agricultores da colônia japonesa começou a observar a floresta, os ribeirinhos, o comportamento das espécies. E dali surgiria a virada que faria de Tomé-Açu referência em sistemas agroflorestais e em agrofloresta na Amazônia.
Quando a colônia japonesa decide aprender com a floresta
A chave da transformação veio de um conselho simples: olhar a natureza. Um dos líderes da cooperativa local orientou: observe o ribeirinho, observe a mata, observe como a floresta se organiza.
Os agricultores da colônia japonesa passaram a reparar que, ao redor das casas de ribeirinhos, sempre havia fruteiras, árvores de sombra, plantas que garantiam alimento o ano inteiro. Não era riqueza financeira, mas era vida saudável o ano todo.
Ao mesmo tempo, eles trouxeram de volta conceitos da cultura de origem, como o motanai, a ideia de que não se deve desperdiçar nada. Assim, a imigração japonesa deixava de ser apenas um capítulo histórico e voltava como fonte de filosofia prática. Casca de cacau deixava de ser lixo e virava adubo. Galhos, folhas e resíduos voltavam para o chão para alimentar o solo.
Desse cruzamento entre saberes ribeirinhos, experiência amazônica e valores da colônia japonesa nasceu uma nova forma de plantar em Tomé-Açu. Um modelo em que diferentes espécies são combinadas de forma planejada, em camadas, imitando a arquitetura da floresta. Era o começo dos sistemas agroflorestais que hoje definem a região.
sistemas agroflorestais: produzir como floresta, vender como agricultura
Na prática, os sistemas agroflorestais de Tomé-Açu funcionam como uma floresta produtiva. Em uma mesma área, convivem cacau, açaí, pimenta-do-reino, frutíferas variadas e espécies madeireiras ou de sombreamento.
Não existe a lógica da área limpa. A ideia é o oposto: encher o espaço de vida. Nada é visto simplesmente como mato. Até insetos e formigas, que muitos chamariam de praga, são tratados como parte do sistema. Eles ajudam a polinizar, controlam outros insetos, contribuem para o equilíbrio.
Nesses sistemas agroflorestais, a colônia japonesa reaprende a cuidar do solo. A matéria orgânica se acumula, as raízes protegem a terra, a cobertura vegetal reduz o impacto da chuva. Em vez de uma monocultura frágil e vulnerável, a área se torna um organismo complexo.
Para a economia da colônia japonesa, o efeito é direto. Cacau fermentado e seco com cuidado se torna produto de alta qualidade, exportado via cooperativa. Açaí, frutas e outros produtos geram renda ao longo do ano. Os sistemas agroflorestais garantem fluxo de caixa mais estável e reduzem o risco de uma única praga destruir tudo, como aconteceu com a pimenta-do-reino.
agrofloresta na Amazônia: da área degradada ao corredor de vida
Quinze anos atrás, muitas das áreas hoje cobertas por agrofloresta na Amazônia em Tomé-Açu eram pastagens abertas e degradadas. Terra cansada, pouca biodiversidade, sombra quase nenhuma.
Com o avanço da agrofloresta na Amazônia conduzida pela colônia japonesa, essas paisagens mudaram de rosto. O que antes era campo ralo hoje se parece novamente com floresta: copa fechada, variedade de espécies, troncos de diferentes tamanhos, flores, frutos em várias alturas.
Os animais perceberam a diferença. Preguiças, raposas, tatus, pacas, gambás, gaviões e corujas reapareceram. A agrofloresta na Amazônia criada a partir da experiência da colônia japonesa em Tomé-Açu não é só uma forma de produzir. É também um corredor de fauna, um pedaço de mata funcional, embora desenhado por mãos humanas.
Essa agrofloresta na Amazônia mostra que é possível conciliar produção e recuperação ambiental. E reforça algo importante: a mesma colônia japonesa que um dia derrubou floresta com fogo hoje se sente responsável por reconstruir parte do que foi perdido. Muitos agricultores dizem abertamente que se sentem culpados por terem queimado a mata no passado e que veem nos sistemas atuais uma forma de reparação.
A colônia japonesa que virou escola viva para o mundo
Hoje, agricultores como Michinori se dedicam não só a produzir, mas a ensinar. Técnicos, pesquisadores e produtores de várias partes do Brasil e de outros países vão a Tomé-Açu aprender com a colônia japonesa. Querem entender na prática como a imigração japonesa, ao se misturar com saberes locais, gerou um modelo concreto de agrofloresta na Amazônia que funciona economicamente e regenera o ambiente.
Mais do que um conjunto de técnicas, esses sistemas agroflorestais carregam uma visão de mundo. Não jogar fora, não desperdiçar, não tratar a floresta como inimiga, mas como parceira. A colônia japonesa de Tomé-Açu prova que é possível sair do caminho da derrubada e da queimada e entrar em uma lógica de abundância construída ao longo do tempo.
No fim das contas, essa história mostra que a imigração japonesa não é apenas um capítulo de passado distante. Ela continua viva nas decisões cotidianas de quem planta, colhe, poda, deixa a casca do cacau no chão, preserva a sombra e escolhe conviver com bichos e insetos. A colônia japonesa na Amazônia se tornou um espelho do que o Brasil pode ser: um país capaz de produzir muito sem abrir mão da floresta.
E você, depois de conhecer a trajetória dessa colônia japonesa em Tomé-Açu, acha que os sistemas agroflorestais e a agrofloresta na Amazônia podem ser um caminho real para conciliar produção, clima e floresta em outras regiões do Brasil?


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