Da formação geológica extrema a desertos, lagos turquesa, geleiras e culturas ancestrais, a Cordilheira dos Andes transformou-se no grande eixo natural da América do Sul.
Imagine atravessar um continente inteiro e ter, no horizonte, uma muralha de montanhas que parece não terminar nunca. Essa é a Cordilheira dos Andes, a mais longa cadeia de montanhas do mundo e uma das obras mais impressionantes da natureza. Ao longo de quase 9.000 km, ela acompanha o mapa da América do Sul e cria um cenário em que vulcões, desertos extremos, fiordes gelados e lagos coloridos convivem lado a lado.
Mais do que um conjunto de montanhas, a Cordilheira dos Andes é um sistema vivo. Ela nasceu de choques de placas tectônicas, continua em movimento, provoca terremotos, esculpe vales e alimenta rios que sustentam milhões de pessoas. Ao mesmo tempo, abriga animais raros, culturas ancestrais e cidades que aprenderam a viver com o ar fino da altitude, transformando esse colosso natural no verdadeiro coração físico e simbólico da América do Sul.
Como nasceu a Cordilheira dos Andes
A história da Cordilheira dos Andes começa há muito tempo, quando a placa de Nazca começou a mergulhar sob a placa sul-americana em um processo chamado subducção. Não foi apenas um encontro de placas, foi um evento capaz de remodelar um continente inteiro. A pressão contínua enrugou a crosta, ergueu picos e abriu vales profundos, enquanto a atividade vulcânica deu origem a cordões de montanhas, vulcões ativos e grandes planaltos.
Essa mesma força ainda atua hoje. Por isso, a Cordilheira dos Andes é considerada geologicamente jovem e instável, marcada por terremotos e erupções que, em muitas regiões, fazem parte da rotina. Em cada dobra da rocha e em cada vulcão, há um pedaço da história da Terra registrado em camadas.
Um gigante que atravessa o continente de ponta a ponta
A Cordilheira dos Andes nasce de forma discreta no norte da Venezuela, nas montanhas da cordilheira de Mérida, e vai ganhando altura e imponência à medida que segue para o sul. Ela atravessa Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile e Argentina, costurando o mapa sul-americano como uma espinha dorsal.
No extremo sul, a cordilheira se fragmenta em ilhas e montanhas menores, formando os Andes Fueguinos, até alcançar a ilha Hornos, a última porção de terra antes da Antártida, depois do estreito de Drake, onde ventos e mares estão entre os mais perigosos do planeta. No total, são aproximadamente 8.750 km, quase um quarto da circunferência da Terra, em um alinhamento quase contínuo de rocha, neve e gelo.
Extremos de altitude, desertos e salares que parecem de outro planeta
Ao longo da Cordilheira dos Andes, os extremos são a regra. Ela abriga o ponto mais alto do Ocidente, o Aconcágua, na Argentina, cercado por paisagens áridas e picos nevados, mas também guarda áreas surpreendentemente baixas, em que o relevo desce quase ao nível do mar em certos vales costeiros e no extremo sul.
Esse contraste se reflete nos climas e paisagens. No norte, há cumes cobertos de selva, com encostas úmidas e vegetação densa. No centro, as montanhas exibem neve eterna e grandes planaltos. No sul, aparecem fiordes gelados e cenários recortados por braços de mar e gelo.
Entre esses extremos, a Cordilheira dos Andes abriga um dos desertos mais áridos do planeta: o Atacama. Há regiões em que praticamente não chove há séculos, e a paisagem lembra a superfície de outro mundo.
Os salares completam esse quadro surreal. Desertos inteiros cobertos de sal brilham sob o sol como espelhos infinitos. O Salar de Uyuni, com mais de 10.000 km², durante a estação das chuvas se transforma em um gigantesco espelho que reflete o céu, criando uma ilusão que mistura horizonte, nuvens e chão em uma única imagem.
Lagos turquesa, lagunas vermelhas e vales esculpidos
A Cordilheira dos Andes é salpicada por centenas de lagos. Muitos foram formados pelo degelo de geleiras, pela atividade vulcânica ou por antigos movimentos tectônicos. Alguns têm tons turquesa ou verde-esmeralda, graças a minerais em suspensão e à pureza da água, que reflete intensamente o céu. Outros são escuros e profundos, guardados entre paredões rochosos, lembrando portais para abismos desconhecidos.
Um dos mais famosos é o lago Titicaca, o lago navegável mais alto do mundo, quase a 4.000 metros de altitude. Ele convive com pequenos espelhos d’água escondidos em vales isolados, cada um com suas aves, peixes e plantas adaptadas à altitude, como microcosmos de vida.
Entre as formações mais marcantes ligadas à Cordilheira dos Andes estão o Pozo de las Ánimas, composto por duas dolinas profundas de água verde-azulada cercadas por paredões íngremes, e o Valle de las Ánimas, perto de La Paz. Nesse vale, a erosão da água, do vento e das variações de temperatura esculpiu formações verticais pontiagudas conhecidas como “chaminés de fadas”, criando um cenário irregular e hipnótico.
As montanhas arco-íris de Vinicunca também nasceram desse encontro entre geologia e tempo. Suas faixas de vermelho, amarelo, verde e roxo são resultado da deposição de minerais ao longo de eras, reveladas apenas quando o gelo recuou por mudanças climáticas recentes.
Hoje, trilhas que cortam paisagens andinas de tirar o fôlego levam visitantes até esse cenário que parece uma pintura. E ainda há lugares como o Valle de las Rocas, uma planície a mais de 3.800 metros repleta de blocos de pedra esculpidos pela erosão e pelos ventos intensos, um verdadeiro laboratório a céu aberto do poder do tempo.
Geleiras gigantes e água para milhões de pessoas
Nas regiões mais frias e elevadas da Cordilheira dos Andes, principalmente nos Andes patagônicos, as geleiras se acumulam como muralhas de gelo. Algumas, como o Glaciar Perito Moreno, tornaram-se cartões postais por seus paredões que se desprendem com estrondo e despencam na água, em espetáculos que misturam beleza e força bruta.
Essas geleiras, porém, são muito mais do que atrações turísticas. Elas funcionam como grandes reservatórios naturais de água, armazenando gelo durante o inverno e liberando água aos poucos no verão. Assim, alimentam rios que sustentam milhões de pessoas em cidades, plantações e comunidades ao longo da Cordilheira dos Andes. Em um continente que depende fortemente desses recursos, o gelo andino é sinônimo de vida.
Ecossistemas em camadas e animais raros
A diversidade da Cordilheira dos Andes não está só nas rochas e nos lagos. A flora muda conforme altitude, latitude e clima, criando uma verdadeira escadaria de ecossistemas. Nas partes baixas e úmidas, predominam florestas densas e exuberantes. Em altitudes médias surgem campos abertos e vegetação arbustiva. Mais acima, a vegetação fica rasteira, resistente ao frio, aos ventos e aos solos pobres. Perto das neves permanentes, apenas líquens e musgos sobrevivem.
Em zonas áridas, a paisagem é dominada por plantas adaptadas à escassez de água, criando um mosaico em que cada faixa de altitude abriga formas de vida especializadas. Entre os animais, os queridos moradores das alturas chamam tanto a atenção quanto o cenário.
Em áreas elevadas vive a vicunha, parente selvagem da lhama e da alpaca, dona de uma das lãs mais finas do mundo. Cruzando vales com asas enormes, o condor-andino, com até 3,3 metros de envergadura, tornou-se um dos símbolos da cordilheira.
A susuarana-dos-andes patrulha regiões rochosas e também entra em bosques mais densos, adaptando-se da costa ao alto das montanhas. O galo-das-rochas, ave de visual marcante, habita falésias e florestas dos Andes do norte, construindo ninhos em rochedos e mantendo um comportamento discreto e solitário.
Já o raríssimo urso de óculos, única espécie de urso nativa da América do Sul, vive em áreas montanhosas e florestas úmidas dos Andes, reconhecido pelas marcas claras no rosto que lembram um par de óculos. Onívoro, ele se alimenta de frutas, plantas, insetos e pequenos animais, simbolizando como a vida encontrou jeitos de prosperar mesmo em terrenos difíceis.
Povos andinos e culturas ancestrais
A Cordilheira dos Andes não é apenas um cenário geológico, é lar. Cerca de 40 milhões de pessoas vivem em regiões andinas. Muitas são descendentes de povos indígenas que aprenderam a cultivar encostas íngremes com terraços agrícolas e diferentes técnicas de manejo do solo. Outras habitam cidades modernas espalhadas por planaltos e encostas, onde a tradição convive com o concreto.
Nas grandes altitudes, a vida muda de ritmo. Cidades como La Paz, na Bolívia, são tão elevadas que até visitantes saudáveis sentem o impacto da falta de oxigênio. Para os moradores, isso é apenas o normal. Muito antes da chegada dos europeus, a Cordilheira dos Andes já abrigava culturas avançadas, como os Chavín, Moche, Tiwanaku e, mais tarde, os incas, que dominaram técnicas de construção e agricultura em altitude.
Até hoje, os vales férteis produzem vinhos, frutas, grãos e legumes que abastecem mercados dentro e fora da América do Sul. Em muitas comunidades, línguas ancestrais ainda são faladas, festas tradicionais seguem o calendário agrícola e montanhas são vistas como entidades protetoras. Em cada terraço e em cada vila, a Cordilheira dos Andes aparece não só como paisagem, mas como parte da própria identidade das pessoas.
Recursos naturais, estradas vertiginosas e turismo em ascensão
O subsolo da Cordilheira dos Andes é rico em cobre, prata, ouro, lítio e outros minerais que impulsionam economias nacionais. Ao mesmo tempo, o turismo cresce como uma força cada vez mais importante. Viajantes do mundo inteiro vão aos Andes para caminhar, escalar, fotografar, observar animais ou simplesmente contemplar as paisagens.
Uma das imagens mais marcantes da infraestrutura andina é a estrada Los Caracoles, na fronteira entre Chile e Argentina. Ela é famosa por suas curvas fechadas em série, que lembram espirais, e alcança altitudes superiores a 3.000 metros, oferecendo vistas espetaculares das montanhas. Além de rota turística para quem busca aventura, é um ponto vital para o transporte e o comércio entre os dois países, mostrando como a Cordilheira dos Andes também é um corredor econômico.
Um colosso natural que nunca se revela por completo
A Cordilheira dos Andes começa de forma discreta no norte e termina quebrada em ilhas no encontro com algumas das águas mais tempestuosas do planeta. São quase 9.000 km de extremos, calor e frio, vida e deserto, paz e fúria. Existem tantas maravilhas, tantos detalhes, que uma vida inteira não seria suficiente para conhecer tudo o que esse colosso guarda.
Para quem percorre suas estradas e trilhas, cada curva revela uma nova face, seja um vale desconhecido, um lago escondido ou uma vila agarrada à encosta. Para quem estuda, cada pedra é um fragmento da história do planeta. E para quem vive sob sua sombra, os Andes não são apenas uma cadeia de montanhas, são casa, refúgio e motivo de orgulho.
E você, se pudesse escolher um trecho da Cordilheira dos Andes para conhecer primeiro, iria atrás dos desertos e salares, das geleiras gigantes ou das cidades e culturas que vivem coladas a essas montanhas?

