Arábia Saudita cria um “rio invisível” de 14.000 km bombeando água do mar sob o deserto para salvar o país mais seco do Oriente Médio, e aposta em 10 bilhões de árvoresArábia Saudita cria rio invisível com água do mar sob o deserto, usa usinas de dessalinização e planta 10 bilhões de árvores para resfriar cidades.

A Arábia Saudita construiu um verdadeiro rio subterrâneo, levando água do mar sob o deserto por milhares de quilômetros em tubos enterrados para garantir abastecimento em um país sem rios, quase sem chuvas e com ruas que chegam a 50 ºC.

Enquanto muitos países ainda discutem como enfrentar a crise hídrica e climática, os sauditas já combinam água do mar sob o deserto com barragens, aquíferos fósseis, megausinas de dessalinização e florestas artificiais em larga escala. É uma tentativa de reescrever as regras de sobrevivência em um dos ambientes mais hostis do planeta, misturando soluções engenhosas com dilemas ambientais enormes.

Primeiro, um país sem rios, lagos ou água doce natural

A Arábia Saudita é um dos lugares mais áridos da Terra. Não há um único rio natural, nenhum lago de água doce e praticamente nenhuma fonte hídrica superficial permanente. Por décadas, a população viveu sob a incerteza de ter água no dia seguinte.

Para começar a virar esse cenário, o país construiu 522 barragens espalhadas pelo território. O objetivo principal não é gerar energia, e sim capturar cada chuva rara e cada enxurrada que corre por leitos secos conhecidos como wadi. Em um lugar onde a temperatura chega facilmente a 50 ºC, qualquer poça exposta ao sol evapora em poucas horas, por isso armazenar rápido é questão de sobrevivência.

A capacidade total dessas barragens chega a 2,46 trilhões de litros de água. A barragem de Rally, a 14 quilômetros de Riad, é a segunda maior do país e guarda cerca de 250 milhões de metros cúbicos. Só a região de Meca concentra 60 barragens, com capacidade combinada de 878 bilhões de litros.

A conta secreta da água subterrânea e da água fóssil

Mesmo com barragens, a Arábia Saudita não sobreviveria apenas da chuva. Pesquisas geológicas identificaram aproximadamente 98 trilhões de litros de água armazenados em aquíferos subterrâneos sob o território. Mas existe um detalhe crucial: apenas uma fração bem pequena dessa reserva é renovável.

Cerca de 2,8 trilhões de litros por ano são repostos naturalmente, à medida que a pouca chuva infiltra no solo. O restante é água fóssil, acumulada há milhares ou milhões de anos, quando a Península Arábica era muito mais úmida e cortada por rios que hoje não existem mais.

Usar água fóssil é como gastar uma poupança gigante sem salário entrando. A cada bombeamento, o nível desce e não volta. Essa água abastece casas, indústrias, áreas verdes e agricultura em um país que decidiu fazer plantações no deserto. Quanto mais a economia cresce, mais rápido essa poupança subterrânea se esgota.

Foi essa conta que acendeu o alerta: se a água fóssil acabar, não há chuva suficiente para repor. A resposta estratégica veio do mar.

O “rio invisível” de 14.000 km que leva água do mar sob o deserto

Sem rios naturais, a Arábia Saudita decidiu criar o seu próprio. A solução foi bombear água do mar sob o deserto, a partir do Mar Vermelho e do Golfo Pérsico, por meio de um sistema de tubulações gigantescas enterradas.

Hoje, esse “rio invisível” já soma aproximadamente 14.000 quilômetros de tubulações interligadas, mais longo que o próprio rio Nilo, que tem cerca de 6.650 quilômetros. A rede nacional de abastecimento, somando os sistemas antigos e novos, passa de 125.000 quilômetros, mas a grande virada está justamente nos trechos enterrados.

No passado, muitos tubos corriam na superfície. Com calor extremo, a perda por evaporação era enorme. Enterrar a água do mar sob o deserto reduz drasticamente essa perda e ainda protege contra contaminação, mudanças bruscas de temperatura, tempestades de areia e enchentes repentinas.

Para instalar esse “rio subterrâneo”, os engenheiros precisaram atravessar as montanhas Hejaz, formadas por rochas duras de granito e calcário. Usaram perfuradoras de túnel e explosões controladas para abrir caminho. Os tubos, com mais de 2 metros de diâmetro, foram assentados com precisão para evitar vazamentos ou colapsos.

Depois das montanhas, veio o desafio do deserto. Trabalhar em campo aberto com temperaturas que passam de 50 ºC exigiu turnos noturnos, escavações profundas e reforço constante do solo instável. Cada trecho de tubulação enterrada é, na prática, um pedaço desse rio invisível que leva água do mar sob o deserto para cidades a centenas de quilômetros da costa.

Da água salgada à água potável: o custo da dessalinização em massa

Bombear água do mar sob o deserto só faz sentido porque o país investiu pesado em usinas de dessalinização. São essas plantas industriais que retiram o sal e as impurezas da água do mar e a transformam em água potável.

A Arábia Saudita se tornou o maior produtor mundial de água dessalinizada. Nos anos 1980, a infraestrutura era mínima. Em 2011, já havia cerca de 30 usinas em operação; em 2023 eram 33, e em 2024 esse número chegou a 43.

O exemplo mais emblemático é a usina de Ras Al Khair, na costa leste, um projeto que custou bilhões de reais e foi reconhecido pelo Guinness como a maior usina de dessalinização do mundo. Sozinha, ela produz cerca de 3 bilhões de litros de água doce por dia. Outra planta de grande porte, em Jeddah, entrega em torno de 800 milhões de litros diários.

Essa solução, porém, tem um preço alto. Dessalinizar água custa de três a dez vezes mais que usar fontes tradicionais e consome enormes quantidades de energia, em grande parte gerada a partir de petróleo e gás. Além disso, o processo produz salmoura, uma água altamente concentrada em sal que precisa ser descartada com cuidado para não destruir ecossistemas marinhos.

Ou seja, o “rio invisível” que leva água do mar sob o deserto resolve o problema da escassez imediata, mas abre uma nova frente de debate sobre energia, emissões e impacto nos oceanos.

10 bilhões de árvores para resfriar cidades de 50 ºC

Enquanto estrutura seu sistema de água do mar sob o deserto e dessalinização em massa, a Arábia Saudita também tenta enfrentar outro desafio: o calor urbano extremo. O plano é plantar 10 bilhões de árvores e proteger 30 por cento do território nacional, num dos maiores projetos de restauração ambiental já anunciados no mundo.

A meta inclui reverdecer cerca de 74 milhões de hectares, criando uma espécie de barreira viva contra a expansão do deserto e melhorando a fertilidade dos solos. Nas cidades, as árvores ganham um papel ainda mais direto. Elas ajudam a filtrar partículas finas como PM2,5 e PM10, associadas a doenças respiratórias, e estudos indicam que o plantio massivo pode reduzir esses níveis em até 20 por cento, dependendo da condição local.

Em áreas onde as ruas passam dos 50 ºC, uma queda média de 2,2 ºC na temperatura pode significar a diferença entre o desconforto extremo e o risco real à vida. Cidades como Riad e projetos futuristas como Neom já incorporam infraestrutura verde em escala, com parques, corredores plantados e áreas sombreadas planejadas junto às novas construções.

Até 2024, centenas de milhões de árvores já haviam sido plantadas e o número cresce ano a ano. A meta de 10 bilhões ainda está distante, mas o país já começa a ver manchas de verde surgindo em regiões que, até pouco tempo atrás, eram apenas areia e concreto.

Genialidade, risco ou os dois ao mesmo tempo?

A estratégia saudita combina barragens, aquíferos fósseis, água do mar sob o deserto, megausinas de dessalinização e florestas planejadas. É uma resposta agressiva a um contexto extremo: um país sem rios, com pouquíssima chuva, calor sufocante e uma população em crescimento.

Por um lado, é difícil negar a engenhosidade de criar um rio invisível de 14.000 quilômetros e transformar o oceano em fonte permanente de água doce. Por outro, os custos energéticos, a salmoura descartada no mar e a dependência de tecnologias intensivas em combustíveis fósseis levantam dúvidas sobre a sustentabilidade de longo prazo.

Ao mesmo tempo, plantar bilhões de árvores em um deserto pode de fato reduzir temperaturas e melhorar a qualidade do ar, mas também exige água, planejamento criterioso e décadas de manutenção. A própria existência desse plano mostra que o país enxerga a crise climática não como hipótese, e sim como realidade diária.

A Arábia Saudita está literalmente redesenhando seu território, criando infraestruturas invisíveis e florestas artificiais onde antes havia apenas areia. A grande pergunta é se esse modelo será exemplo a ser copiado ou alerta sobre até onde precisamos ir quando adiamos soluções mais simples.

E você, olhando para esse “rio invisível” de água do mar sob o deserto e para o plano de plantar 10 bilhões de árvores, acha que outros países deveriam seguir esse caminho ousado ou buscar alternativas menos intensivas em energia e tecnologia?

Autor

  • Carla Teles

    Produzo conteúdos diários sobre economia, curiosidades, setor automotivo, tecnologia, inovação, construção, com foco no que realmente importa para o mercado brasileiro. Aqui, você encontra as principais movimentações da indústria. Tem uma sugestão de pauta ou quer divulgar sua vaga? Fale comigo: carlatdl016@gmail.com

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