O arquipélago de São Pedro e São Paulo é um laboratório natural extremo no meio do Atlântico, onde o Brasil mantém pesquisadores em regime de rodízio para garantir soberania, monitorar sismos constantes e entender uma das regiões geológicas mais raras do planeta.
O lugar parece irrelevante à primeira vista, apenas um conjunto de rochedos pontiagudos sacudidos por terremotos, sem vegetação, sem água doce e menor do que dois campos de futebol. Mas é justamente nesse cenário inóspito que o arquipélago de São Pedro e São Paulo se torna estratégico para a ciência e para a geopolítica brasileira, a ponto de justificar presença humana contínua desde 1998.
O arquipélago de São Pedro e São Paulo é o pedaço do Brasil mais perto da África, um punhado de ilhas rochosas a cerca de mil quilômetros do continente, cercadas por profundidades de cerca de 4 mil metros.
A parte mais alta mal chega a 18 metros acima do nível do mar, o mar costuma estar em fúria e não há nenhuma fonte natural de água doce. Mesmo assim, pesquisadores se revezam ali a cada 15 dias, dividindo espaço com caranguejos, aves marinhas e uma geologia única no mundo.
Desde 1998, o Brasil mantém ocupação permanente no arquipélago de São Pedro e São Paulo para muito além da curiosidade científica.
A presença contínua de brasileiros permite ao país reivindicar uma zona econômica exclusiva de aproximadamente 450 mil quilômetros quadrados ao redor das ilhas, ampliando a chamada “Amazônia Azul” e reforçando a soberania sobre uma área marinha com enorme potencial mineral, petrolífero e ecológico.
Onde fica o arquipélago de São Pedro e São Paulo e por que ele é tão extremo
Visto de longe, o arquipélago de São Pedro e São Paulo parece apenas um risco de pedra no meio do Atlântico. Ele está a cerca de 988 quilômetros da costa brasileira e a algo em torno de 1.820 quilômetros das praias de Guiné-Bissau, sendo o ponto do Brasil mais próximo da África.
Em torno das ilhas, a profundidade chega a aproximadamente 4 mil metros, o que reforça a sensação de isolamento total.
A área emergida é mínima, menor que dois campos de futebol, sem árvores, sem solo desenvolvido e sem rios. Não existe vegetação significativa nem qualquer fonte de água doce, o que obriga os pesquisadores a levar tudo o que precisam em cada expedição: água, alimentos, combustível e equipamentos.
O mar é agressivo, ondas batem com força e, em dias de tempo fechado, a aproximação de barco é uma operação delicada.
Uma ilha formada pelo manto da Terra
O que torna o arquipélago de São Pedro e São Paulo único no mundo é a sua origem geológica. Enquanto a maior parte das ilhas oceânicas é formada por rochas vulcânicas que vêm da crosta ou por materiais acumulados em cadeias montanhosas submarinas, São Pedro e São Paulo é considerado a única ilha oceânica composta por rochas do manto terrestre exposto.
Na estrutura da Terra, acima do núcleo estão o manto e a crosta. Em regiões oceânicas, a crosta costuma ter apenas 10 a 15 quilômetros de espessura. Aqui, as rochas típicas da crosta praticamente não aparecem na parte emergida. Em vez disso, o que aflora são rochas mantélicas, associadas à dinâmica das placas tectônicas e à abertura do Atlântico.
Não à toa, qualquer geólogo daria “um dedo” para estudar de perto o arquipélago de São Pedro e São Paulo. Amostras ali mostram rochas como peridotitos e materiais serpentinizados, revelando processos profundos que normalmente só podem ser inferidos por dados indiretos. Estar em pé na ilha é, em certo sentido, tocar em rochas que representam partes das “entranhas” da Terra.
Tremores constantes e a falha de São Paulo
O arquipélago de São Pedro e São Paulo está exatamente sobre a chamada falha de São Paulo, uma grande fratura que percorre o Atlântico. A região é uma área de intensa atividade tectônica, onde se registra uma grande quantidade de pequenos terremotos ao longo do tempo.
Estudos já localizaram centenas de eventos sísmicos na região, com magnitudes variando de aproximadamente 1 a mais de 6 na escala Richter. Muitos desses tremores ocorrem em profundidade, sob o mar, e não são sentidos diretamente. Outros, porém, chegam a ser percebidos pelos pesquisadores na ilha, com relatos de tremores significativos e sensação de instabilidade.
Ao monitorar os sismos no arquipélago de São Pedro e São Paulo, cientistas conseguem entender melhor como está se dando a abertura entre a placa Sul-Americana (onde está o Brasil) e a placa Africana. Estações sismográficas e equipamentos de GPS instalados no arquipélago ajudam a medir taxas de soerguimento da ilha e o afastamento entre os continentes, oferecendo dados valiosos sobre a evolução do Oceano Atlântico.
Darwin, ciência e curiosidade histórica
A curiosidade pelo arquipélago de São Pedro e São Paulo não é recente. Em 1832, Charles Darwin, durante a viagem do navio Beagle, desembarcou na ilha Belmonte, a principal do grupo. Na época, ele notou que a formação geológica da região era diferente das ilhas vulcânicas que vinha observando.
Mais tarde, as evidências geológicas confirmariam a impressão inicial: o arquipélago de São Pedro e São Paulo não é um vulcão no meio do mar, mas um trecho de manto exposto. Essa constatação reforça o valor do lugar como laboratório natural para geologia, tectônica de placas, sismologia e oceanografia.
Além disso, o arquipélago já entrou nos radares internacionais em outras situações, como após a queda do voo AF447, em 2009, que ocorreu em águas profundas do Atlântico, a alguns centenas de quilômetros dali. Embora o acidente não tenha ocorrido sobre a ilha, a região voltou a ser mencionada como referência geográfica em pleno oceano.
Por que o Brasil precisa manter o arquipélago de São Pedro e São Paulo habitado
A presença permanente de pessoas no arquipélago de São Pedro e São Paulo não é apenas científica, é também estratégica. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar estabelece que ilhas que não se prestam à habitabilidade não geram zona econômica exclusiva ao seu redor.
Para garantir o direito a uma ampla área de mar em torno das ilhas, o Brasil decidiu tornar o arquipélago de São Pedro e São Paulo efetivamente habitado, ainda que por equipes em regime de rodízio. Em 25 de junho de 1998 foi inaugurada a primeira Estação Científica, marco para consolidar a ocupação contínua.
A partir daí, o país passou a legitimar uma zona econômica exclusiva de cerca de 450 mil quilômetros quadrados em torno do arquipélago, um círculo com raio de 200 milhas náuticas. É como se o Brasil tivesse “ganho” um novo pedaço de mar, ampliando sua “Amazônia Azul” e garantindo direitos sobre potenciais reservas de petróleo, gás, minerais e recursos biológicos nessa região do Atlântico.
Logística difícil e vida dura na estação científica
Chegar ao arquipélago de São Pedro e São Paulo não é simples. O embarque normalmente acontece em Natal, no Rio Grande do Norte, usando barcos pesqueiros contratados para reduzir custos ou, em missões específicas, navios da Marinha do Brasil. São cerca de três dias de navegação em mar aberto até alcançar os rochedos.
As equipes costumam ficar cerca de 15 dias na ilha, sendo depois substituídas por um novo grupo. Não existe turismo no arquipélago de São Pedro e São Paulo, o acesso é restrito a pesquisadores, estudantes e técnicos com projetos aprovados, principalmente nas áreas de geologia, oceanografia e biologia marinha.
A estação científica já sofreu com a força do mar mais de uma vez. Pouco tempo após a inauguração, grandes ondas destruíram parcialmente a primeira estrutura. Em 2006, mesmo com barreiras de proteção, o mar voltou a causar danos sérios.
Em 2014, outro episódio de mar extremamente agitado obrigou os pesquisadores a se refugiarem no abrigo de emergência junto ao farol, na parte mais alta da ilha, com água e ração suficientes para alguns dias.
Por isso, projetos mais recentes incluem estações em áreas mais protegidas, com sapatas elevadas e estrutura dimensionada para tremores frequentes e ondas fortes, aumentando a segurança de quem trabalha ali.
Um laboratório natural para aves, peixes e tubarões
Embora o cenário pareça hostil, o arquipélago de São Pedro e São Paulo é um ponto de intensa vida marinha. As aves marinhas, como atobás, usam as rochas para nidificar, e as fezes que se acumulam nas pedras acabam fertilizando o ambiente.
Quando a maré sobe, esse material é lavado para o mar, alimentando microorganismos que atraem pequenos peixes, que por sua vez atraem peixes maiores e, no topo da cadeia, grandes predadores como o tubarão-baleia.
Estudos em andamento investigam essa cadeia alimentar e o papel das aves na dinâmica ecológica local. Pesquisadores também observam o comportamento dos atobás, com disputas territoriais, “adultério”, abandono de filhotes e brigas por espaço em uma ilha com pouquíssimo material disponível para construção de ninhos.
Apesar do isolamento, o arquipélago de São Pedro e São Paulo funciona como um farol ecológico no meio do Atlântico, concentrando vida em torno de rochas que rompem a imensidão azul. Isso torna o local vital para pesquisas de biologia marinha, conservação e monitoramento de espécies de grande porte.
O náufrago italiano salvo por acaso
Além da ciência e da geopolítica, o arquipélago de São Pedro e São Paulo guarda histórias humanas marcantes. Uma das mais impressionantes é a do italiano Alex Bellini, que tentava atravessar o Atlântico em um pequeno barco a remo.
Depois de dias à deriva, praticamente sem comida e água, ele estava exausto e sem condições de encontrar sozinho os rochedos, que nem apareciam claramente em suas cartas náuticas e muitas vezes ficam escondidos pela ondulação do mar. A sobrevivência do italiano dependia literalmente de um golpe de sorte.
Essa sorte veio quando uma embarcação de apoio às pesquisas no arquipélago de São Pedro e São Paulo avistou algo alaranjado no horizonte. Era o barco de Bellini, que acabou resgatado pelos pesquisadores e pescadores.
Mais tarde, ele ainda relataria a curiosa coincidência de sonhar com São Pedro e São Paulo antes de saber que seria levado justamente para um arquipélago com esse nome.
Um pedaço de manto, um mar inteiro e muitas perguntas
No fim, o arquipélago de São Pedro e São Paulo é o encontro perfeito entre geologia extrema, biologia rica e estratégia nacional.
Em poucos metros de rocha exposta, o Brasil garante centenas de milhares de quilômetros quadrados de mar, coleta dados sobre sismos, acompanha o afastamento de continentes e estuda ecossistemas que dependem de cada fragmento de pedra para existir.
Ao mesmo tempo, o lugar lembra o limite da resistência humana e científica: é preciso enfrentar mar agitado, tremores, isolamento e estrutura mínima para que esse laboratório natural continue produzindo conhecimento e sustentando a soberania brasileira no Atlântico.
E você, teria coragem de passar 15 dias pesquisando no arquipélago de São Pedro e São Paulo, isolado no meio do oceano, em troca de participar desse laboratório extremo e estratégico do Brasil?

