Caribe vê praias tomadas por algas, turismo em queda e recifes sufocados enquanto startups transformam toneladas de sargaço em tijolos, biogás, cosméticos, embalagens e tecidos inovadores.
As cenas mais recentes no Caribe estão longe do cartão postal clássico. Em vez de água azul-turquesa e areia branca perfeita, muitas praias estão cobertas até os tornozelos por uma massa marrom de algas viscosas, com cheiro forte de ovo podre. Em 2025, mais de 38 milhões de toneladas de sargaço já chegaram à região apenas em maio, sufocando recifes, prendendo tartarugas, derrubando a ocupação de hotéis e afetando diretamente economias que dependem do turismo.
Ao mesmo tempo, uma outra narrativa começa a emergir. Em vez de enxergar o sargaço apenas como um lixo incômodo que assombra o Caribe, pesquisadores e empreendedores estão tratando essa biomassa como matéria-prima abundante. De tijolos e biogás a cosméticos, embalagens e tecidos de alto desempenho, startups caribenhas e internacionais trabalham para transformar uma crise ambiental em oportunidade econômica sustentável.
Quando o paraíso do Caribe vira mar de algas
De Barbados a Cancún, o cenário se repete. Faixas inteiras de praia do Caribe precisam ser limpas todos os dias. Camadas espessas de sargaço se acumulam na maré, apodrecem na areia e liberam gases que afastam turistas e até forçam o fechamento temporário de escolas e comércios na orla.
Hotéis veem a taxa de ocupação cair em torno de 10%, enquanto gastam fortunas para manter um mínimo de aparência de paraíso. Limpar apenas um quilômetro de praia pode custar cerca de 70 mil dólares por mês, durante a temporada de sargaço. E, depois de limpo, surge outro problema: para onde enviar tantas toneladas de algas? Aterros lotam, surgem depósitos improvisados, o cheiro persiste.
Não é só o turismo que sofre. Recifes de coral e prados de ervas marinhas ficam soterrados, peixes e outras espécies morrem por falta de oxigênio e alguns serviços essenciais entram em risco. Em 2022, as Ilhas Virgens Americanas chegaram a declarar estado de emergência quando o sargaço bloqueou a entrada de água de uma usina de dessalinização.
Como o sargaço saiu do Mar dos Sargaços e invadiu o Caribe
O vilão dessa história é uma espécie de alga marinha flutuante, o sargaço. Ele tem pequenas bolhas cheias de ar que o mantêm sempre na superfície, sem se fixar ao fundo do mar. Em vez de sementes ou raízes, ele se multiplica quebrando em pedaços, que se transformam em novas plantas.
Por séculos, essa massa de algas se manteve relativamente contida no Mar dos Sargaços, uma extensa área do Atlântico em que correntes circulares prendem o sargaço como em um “lago” no meio do oceano. Esse equilíbrio começou a ruir por volta de 2010, quando um evento climático anormal empurrou grandes quantidades de sargaço para fora dessa região.
Desde então, todos os anos o Caribe recebe verdadeiras “marés marrons” de algas, em volumes crescentes. As correntes levam o sargaço em direção às ilhas de barlavento nas Antilhas e à Península de Yucatán, no México, onde destinos consagrados como Cancún hoje convivem com montanhas de algas entre março e outubro.
Tijolos de sargaço: casas que guardam até 20 toneladas de algas
Diante desse cenário, alguns empreendedores resolveram parar de enxergar o sargaço como lixo. No litoral da Península de Yucatán, no México, surgiram os tijolos feitos com sargaço, que misturam cerca de 40% de algas a outros materiais.
Cada casa construída com essa tecnologia pode armazenar em suas paredes até 20 toneladas de sargaço. A primeira unidade, erguida em 2018, já resistiu à passagem de vários furacões, com relatos de que o conforto térmico é melhor que o de casas de tijolos convencionais. Além de serem mais baratos que tijolos tradicionais, esses blocos ajudam a “enterrar” a biomassa em estruturas duráveis, em vez de mandá-la para aterros.
Na prática, é uma solução que atua em duas frentes: reduz o impacto visual e ambiental nas praias do Caribe e cria uma alternativa construtiva de baixo custo, aproveitando justamente aquilo que antes era visto apenas como problema.
Biogás que assa pão, move carro e reduz diesel nas ilhas
Outra vertente de inovação no Caribe vem da energia. O sargaço em decomposição libera metano, o mesmo gás natural usado para cozinhar e gerar eletricidade. Em Granada, por exemplo, uma equipe desenvolveu um sistema em que o sargaço é misturado a restos de comida e esterco de porco em um biodigestor.
Microrganismos decompõem essa mistura e liberam biogás, que é capturado e usado para abastecer o forno de uma padaria local. O projeto já recebeu autorização do governo para instalar um digestor maior e um gerador movido a biogás, com capacidade de transformar de 5 mil a 8 mil toneladas de sargaço por ano em cerca de 150 kW de energia.
Em Barbados, uma iniciativa batizada de Rum and Sargassum levou a ideia além: o sargaço é fermentado com efluentes de destilarias de rum e esterco, gerando biogás suficiente para mover um carro convertido para rodar com metano em vez de gasolina. A adaptação do motor, segundo os responsáveis, pode ser feita com uma reforma relativamente simples e de baixo custo.
Em todos esses casos, vale uma constatação importante: o metano seria emitido de qualquer maneira, seja na praia, no aterro ou no digestor. Ao canalizar esse gás para fins produtivos, as ilhas do Caribe reduzem custos com diesel importado e ganham uma pequena, mas significativa, fatia de autonomia energética.
Do mar para a pele: cosméticos e corantes feitos com algas do Caribe
Nem todo uso do sargaço passa por queima ou geração de energia. Uma parte relevante das iniciativas mira compostos de alto valor agregado, usados em setores como cosméticos, higiene pessoal e têxteis.
Empresas especializadas em biorrefino já conseguem extrair do sargaço substâncias como alginato e fucoidana, que atuam como espessantes e hidratantes naturais. Esses ingredientes entram na fórmula de cremes, loções e produtos de skincare, substituindo componentes sintéticos ou derivados de petróleo.
Em parceria com marcas de design têxtil, esses mesmos derivados do sargaço do Caribe são usados para espessar pastas de tingimento e melhorar a aderência de corantes em tecidos, permitindo estamparia mais sustentável. É um contraste curioso: a mesma alga que turistas fogem na praia reaparece discretamente em embalagens elegantes e produtos premium.
Fibras, papel, embalagens e tecidos macios a partir do sargaço
Outra frente promissora explora o potencial do sargaço como fibra natural. Startups do Caribe e de outras regiões estão misturando algas com caules de bananeira e folhas de abacaxi para produzir:
- papéis especiais
- embalagens resistentes à gordura e à água
- substratos que podem ser transformados em tecidos leves e confortáveis
Nesse modelo, resíduos agrícolas e algas encalhadas deixam de ir para o lixo e passam a compor cadeias produtivas de embalagens compostáveis e materiais têxteis alternativos. Ao fazer isso, essas empresas aliviam a pressão sobre florestas usadas para celulose, reduzem o uso de plástico e ainda esvaziam parte das pilhas de sargaço nas praias do Caribe.
Nanocelulose de alto desempenho: quando o Caribe entra na indústria avançada
Em Orlando, na Flórida, uma empresa trabalha com o sargaço que também chega às costas locais para produzir nanocelulose de alto desempenho. Trata se de uma fibra natural extremamente leve e resistente, extraída de plantas e algas, que pode reforçar resinas e compósitos em aplicações de alto valor agregado.
Essa nanocelulose, processada a partir do sargaço em escala nanométrica, pode ser usada em:
- painéis automotivos
- componentes de aeronaves
- cascos de barco
- quadros de bicicleta e outros produtos em que leveza e resistência são fundamentais
Dessa forma, parte da biomassa que hoje sufoca recifes no Caribe passa a integrar materiais avançados, muitas vezes substituindo insumos derivados de petróleo ou processos industriais altamente poluentes.
Metais pesados, arsênio e a corrida científica em torno do sargaço
Nem tudo é simples nessa transformação. O sargaço tem um perfil “pegajoso” do ponto de vista químico. Ele absorve metais pesados como arsênio, o que exige processos rigorosos de purificação quando as algas são usadas em cosméticos, alimentos, embalagens ou qualquer aplicação em contato com pessoas e animais.
Por isso, há uma verdadeira corrida científica internacional voltada a:
- melhorar o pré tratamento do sargaço
- desenvolver microrganismos mais eficientes para a produção de biogás
- refinar rotas para geração de hidrogênio a partir dos açúcares complexos da alga
- avaliar se o sargaço pode ser fonte de metais críticos usados em baterias e eletrônicos
Instituições acadêmicas e laboratórios nacionais trabalham em soluções que vão desde fermentações otimizadas até processos de eletrólise em sal fundido, capazes de recuperar metais e gerar nanotubos de carbono como subproduto. Tudo isso com um ponto em comum: usar a biomassa que já está chegando em excesso ao Caribe, sem depender de mais mineração e extração fóssil.
Caribe entre crise, oportunidade e futuro incerto
A invasão de sargaço no Caribe é, ao mesmo tempo, crise ambiental, desafio econômico e laboratório de inovação. De um lado, praias degradadas, prejuízos turísticos, recifes sufocados e comunidades inteiras tentando lidar com uma biomassa que não para de chegar.
De outro, tijolos que viram casas resistentes a furacões, biogás que abastece padarias e carros, cosméticos, fibras, embalagens, tecidos e materiais de alto desempenho surgindo exatamente daquilo que antes era visto só como lixo malcheiroso.
Ainda é cedo para dizer se a região vai conseguir transformar o sargaço em um verdadeiro pilar de economia circular ou se as iniciativas continuarão pontuais frente ao tamanho do problema. Mas uma coisa já está clara: o Caribe não é apenas palco da crise, é também protagonista de soluções que podem inspirar outros países costeiros que começam a enfrentar desafios semelhantes.
E você, olhando para esse cenário, acredita que o Caribe vai conseguir transformar de vez o sargaço em oportunidade sustentável ou o problema já passou do ponto em que dá para “surfá lo” a favor da economia e do meio ambiente?

