Decisão da Justiça reconhece assédio moral contra operador de telemarketing chamado de veado recalcado, mulher e princesa pelo chefe, mantém condenação da empresa, reduz indenização para 3 mil reais e manda recado a gestores, reforçando limites do humor no trabalho diário
Em 2025, um operador de telemarketing obteve na Justiça o reconhecimento de assédio moral após comprovar que seu supervisor o chamava repetidamente de “princesa”, “mulher” e “veado recalcado” diante dos colegas de trabalho, em um ambiente que fingia ser descontraído, mas gerava constrangimento constante. Em 20 de dezembro de 2025, o caso foi divulgado com detalhes da condenação.
Na primeira decisão, o juiz trabalhista fixou indenização por dano moral em 6 mil reais, entendendo que a hierarquia havia sido usada como instrumento de humilhação. Em recurso, o Tribunal Regional do Trabalho manteve a condenação, mas reduziu o valor para 3 mil reais, sob o argumento de proporcionalidade e capacidade econômica das partes, reafirmando o papel da Justiça em coibir práticas abusivas sem estimular enriquecimento sem causa.
Como a Justiça enxergou as ofensas e o assédio moral
No processo, o operador de telemarketing relatou que as expressões ofensivas não eram fato isolado, mas parte de uma rotina de piadas dirigidas especificamente a ele, sempre partindo do supervisor direto. Termos como “princesa”, “mulher” e “veado recalcado” eram usados diante da equipe, em tom de deboche, sob a justificativa de que todos ali “brincavam” uns com os outros.
A Justiça afastou a tese de que se tratava de mero bom humor entre colegas. Para o juízo, a combinação de vocabulário discriminatório, repetição do comportamento e posição hierárquica do agressor configurou assédio moral, pois a vítima era exposta a constrangimento reiterado, com impacto em sua dignidade e em seu equilíbrio psicológico. A intenção de disfarçar o ataque como piada não eliminou o dano reconhecido na sentença.
Provas materiais tiveram papel decisivo. Áudios, capturas de tela e outros registros apresentados demonstraram que o trabalhador não consentia com as “brincadeiras” e que o tom das falas ultrapassava qualquer limite razoável de informalidade no ambiente de trabalho. A Justiça destacou que a agressão verbal ligada a gênero e orientação sexual, quando usada para ridicularizar, agrava ainda mais o quadro de assédio.
Responsabilidade da empresa segundo a Justiça trabalhista
Em defesa, a empresa alegou desconhecer os fatos e sustentou que a relação na equipe era amistosa, com clima de descontração. A Justiça trabalhista, porém, aplicou a regra de responsabilidade objetiva do empregador pelos atos de seus prepostos, reafirmando que a companhia responde pelos danos causados por seus gestores durante o expediente.
O juiz de primeira instância rejeitou o discurso de “ambiente descontraído” e condenou a empresa ao pagamento de 6 mil reais. A sentença registrou que cabe à organização fiscalizar o comportamento de lideranças, treinar gestores e garantir um ambiente de trabalho saudável e respeitoso. Não basta alegar que não sabia o que acontecia na operação de telemarketing: a omissão também pesa contra o empregador.
Ao analisar o recurso, o Tribunal Regional do Trabalho manteve a conclusão de que houve assédio moral, reforçando que a hierarquia amplifica o efeito das ofensas. A Justiça ressaltou que o poder de mando não pode ser usado para intimidar ou ridicularizar subordinados, especialmente com termos que atacam a identidade da pessoa e não a qualidade do serviço prestado.
Critérios usados pela Justiça para diferenciar piada de ato ilícito
O julgamento também serviu para detalhar critérios que ajudam a separar interação social legítima de ato ilícito no ambiente profissional. A Justiça considerou, entre outros pontos:
- Repetição – O comportamento ofensivo se repetia com frequência, não era uma fala isolada.
- Hierarquia – As expressões vinham do chefe direto, que detém poder de avaliação e de comando sobre o empregado.
- Dano – Houve relato de constrangimento, abalo psicológico e exposição negativa diante dos demais colegas.
- Intencionalidade – Os termos pejorativos tinham alvo claro: desqualificar a pessoa, e não apenas criticar um erro pontual de trabalho.
A partir desses elementos, a Justiça concluiu que não se tratava de brincadeira entre iguais, mas de um padrão de humilhação. O riso forçado da equipe, em vez de sinalizar consenso, foi interpretado como sintoma de ambiente tóxico, no qual ninguém se sente à vontade para contestar o chefe.
Por que a Justiça reduziu a indenização para 3 mil reais
Embora tenha mantido o reconhecimento do assédio moral, o Tribunal Regional do Trabalho decidiu ajustar o valor da indenização de 6 mil para 3 mil reais. Na visão dos desembargadores, esse montante estaria mais alinhado à extensão comprovada do dano e à realidade econômica das partes envolvidas.
A Justiça trabalhista costuma considerar três eixos na hora de fixar o valor: gravidade da conduta, capacidade financeira do empregador e caráter pedagógico da condenação. A ideia não é premiar a vítima com ganhos desproporcionais, mas punir a conduta abusiva e desestimular a repetição do comportamento, sem fomentar o chamado enriquecimento sem causa.
No caso concreto, o tribunal entendeu que a indenização reduzida ainda cumpre função punitiva e pedagógica para a empresa e para o gestor, ao mesmo tempo em que evita valores considerados excessivos para o tipo de prova e para a duração do vínculo. Assim, a Justiça sinalizou que a reparação financeira deve ser suficiente para marcar o erro, mas também proporcional aos fatos.
O limite do humor e o recado da Justiça para gestores
O julgamento deixa um alerta explícito para quem ocupa cargos de liderança. A Justiça reforçou que piadas com base em gênero, aparência ou orientação sexual, quando usadas para “brincar” com subordinados, configuram discriminação direta e podem gerar condenação. O ambiente de trabalho não é espaço para teste de limites à custa da dignidade alheia.
Expressões que rotulam o trabalhador como menos viril, ridicularizam sua identidade ou o colocam como alvo constante de chacota corroem a confiança e a segurança psicológica da equipe. Quando esse tipo de linguagem parte do chefe, a mensagem implícita é que o desrespeito está autorizado, o que abre espaço para outros episódios de assédio entre colegas e amplia o risco jurídico para a empresa.
Ao manter a condenação, a Justiça sinaliza que a cultura organizacional precisa ser revisada com seriedade. Treinamentos, códigos de conduta e canais de denúncia eficazes deixam de ser apenas “boa prática” e passam a funcionar como barreira concreta contra comportamentos abusivos, inclusive em setores de alta rotatividade como o telemarketing.
O que esse caso ensina sobre respeito e Justiça no trabalho
O caso mostra que a Justiça não exige perfeição nem clima asséptico no ambiente profissional, mas não tolera que o poder hierárquico se transforme em licença para humilhar. A empresa foi considerada responsável pelas ofensas proferidas pelo supervisor e não pôde se esconder atrás do argumento de que não sabia o que acontecia no dia a dia da operação.
Termos discriminatórios travestidos de piada foram enquadrados como assédio moral, com dever de indenizar, independentemente da intenção alegada pelo agressor. A decisão também evidencia que a prova material – gravações, mensagens e testemunhos coerentes – é determinante para convencer a Justiça e garantir a vitória em processos trabalhistas desse tipo.
Para trabalhadores que enfrentam situações semelhantes, a principal lição é não normalizar a violência disfarçada de brincadeira. Registrar episódios, guardar mensagens, anotar datas e buscar orientação jurídica são passos práticos para acionar a Justiça quando o ambiente de trabalho se torna hostil e ofensivo.
E você, acredita que casos como esse vão fazer chefes e empresas repensarem o “humor” usado no dia a dia ou ainda vê muita gente tratando decisões da Justiça sobre assédio moral como exagero?

