Enquanto a nova CNH sem autoescola já vale em todo o país, Detrans e Cetrans pedem 180 dias para se adaptar, o governo recusa qualquer prazo, nega boicote, cobra cumprimento imediato da lei e deixa quem tenta tirar a primeira habilitação ainda mais confuso, desinformado e com medo de errar.
A CNH sem autoescola já está em vigor em todo o Brasil e escancara um confronto entre Detrans, Cetrans, governo federal e instrutores autônomos sobre como aplicar, de fato, as novas regras para a primeira habilitação, sem paralisar o sistema nem prejudicar os candidatos.
De um lado, a ANIT, associação que representa instrutores independentes agora permitidos por lei, acusa os Detrans de barrar cadastros e travar o avanço do modelo chamado de CNH Brasil. Do outro, os órgãos estaduais negam qualquer boicote, afirmam que se trata de um modelo novo e insistem que é preciso tempo para preparação, credenciamento e monitoramento.
O que mudou com a CNH sem autoescola
A chamada CNH sem autoescola virou o apelido popular para o novo formato da primeira habilitação, que passa a permitir a atuação de instrutores autônomos, sem vínculo com centros de formação tradicionais. A ANIT se apresenta como a entidade responsável por organizar a formação desses profissionais e defender a implementação do novo modelo em todo o país.
Na prática, a promessa é que a CNH fique mais acessível, reduzindo o custo da primeira habilitação ao ampliar a concorrência e abrir espaço para instrutores que atuam fora da estrutura das autoescolas. O problema é que, embora a lei já esteja valendo, os procedimentos para credenciar, cadastrar e fiscalizar esses instrutores ainda não estão claros para todos os envolvidos.
Segundo a ANIT, os Detrans estariam criando obstáculos burocráticos para impedir o cadastro dos novos profissionais, o que, na avaliação da entidade, seria um “boicote” direto ao desenvolvimento do CNH Brasil. A crítica é que, sem o cadastro, o modelo alternativo não sai do papel e o cidadão continua preso ao formato antigo, mesmo após a mudança legal.
Detrans e Cetrans pedem prazo de 180 dias
Os Detrans reconhecem que a nova legislação da CNH já está em vigor e precisa ser respeitada, mas alegam que não há como redesenhar o processo de um dia para o outro. Em várias unidades da federação, as equipes ainda estariam definindo fluxos internos, preparando sistemas de tecnologia e revisando normas para registrar e acompanhar a atuação dos instrutores autônomos.
Os Cetrans de São Paulo e do Paraná saíram na frente e formalizaram um pedido de prazo de 180 dias para adaptação às exigências da CNH sem autoescola. A justificativa é que o modelo é inédito, exige novos protocolos de credenciamento e fiscalização e, se for implementado de forma precipitada, pode abrir brechas para irregularidades e fraude no processo de formação de condutores.
Esses conselhos estaduais de trânsito defendem que a transição seja gradual, com testes, ajustes e regras bem definidas antes da liberação plena dos instrutores autônomos. A leitura deles é que um período de seis meses seria o mínimo para garantir segurança jurídica e operacional para todos os envolvidos, dos órgãos públicos aos candidatos.
Governo federal e Senatran falam em aplicação imediata da lei
A posição do governo federal, porém, é diametralmente oposta. Para a Senatran, não existe período de vacância para a nova lei da CNH, o que significa que as mudanças devem ser cumpridas imediatamente pelos Detrans e Cetrans, sem qualquer suspensão ou fase de espera de 180 dias.
O secretário nacional de trânsito, Adrualdo Catão, sustenta que os Cetrans não têm competência legal para criar prazos próprios que esvaziem ou retardem a aplicação da legislação federal. Na visão da Senatran, decisões que funcionem como uma “trava” ao novo modelo violam a hierarquia das normas e precisam ser revistas.
Com isso, o recado de Brasília é claro: a CNH sem autoescola já vale agora, e cabe aos Detrans se reorganizarem rapidamente para se adequar. O governo rejeita a leitura de boicote, mas cobra ação imediata e alinhamento dos estados às diretrizes nacionais, mesmo em meio às dificuldades operacionais relatadas pelos órgãos locais.
ANIT acusa boicote, Detrans falam em modelo ainda imaturo
No meio do embate jurídico e político, a ANIT endurece o discurso. Em mensagem enviada à imprensa, a associação afirma que “os Detrans estão colocando empecilhos para não deixar o CNH Brasil se desenvolver”, reforçando a acusação de que a resistência é mais política e corporativa do que técnica.
Do outro lado, os órgãos estaduais de trânsito respondem que não há boicote, e sim uma preocupação em evitar improvisos. Eles alegam que é necessário definir critérios de preparação, credenciamento e monitoramento dos instrutores autônomos para garantir que o padrão mínimo de qualidade da formação de condutores não seja comprometido.
Esse choque de versões alimenta uma percepção de guerra de narrativas. Enquanto a ANIT tenta mostrar que a CNH sem autoescola é uma alternativa mais barata e flexível, os Detrans argumentam que a falta de regras detalhadas pode criar uma “terra de ninguém” na formação de motoristas iniciantes, com impacto direto na segurança viária.
No meio da confusão, o candidato à CNH fica sem resposta
Quem quer tirar a primeira CNH hoje é o elo mais frágil dessa disputa. De um lado, escuta que a lei já está valendo e que a CNH sem autoescola chegou para facilitar e baratear o processo. De outro, encontra sistemas que ainda não aceitam cadastro de instrutores autônomos e atendimentos que não explicam claramente quais caminhos estão de fato liberados.
A sensação predominante é de informação desencontrada e falta de transparência. Candidatos relatam dúvidas básicas, como se podem ou não contratar um instrutor autônomo imediatamente, se devem continuar presos às autoescolas, quais documentos serão exigidos nesse novo formato e quanto tempo o processo pode demorar até se estabilizar.
Enquanto ANIT, Detrans, Cetrans, governo federal e Senatran disputam versões e responsabilidades, a vida real de quem precisa da CNH para trabalhar, estudar ou se deslocar continua em suspenso. A lei avançou mais rápido que a estrutura, e o resultado é um cenário em que ninguém quer assumir oficialmente que o sistema ainda não está pronto.

