Reportagem mostra como viver em sítio alugado, tirar leite, vender ovos e domar a mula em um pequeno rancho tocado por duas mulheres, unindo trabalho pesado, renda própria e autonomia.Reportagem mostra como viver em sítio alugado, tirar leite, vender ovos e domar a mula em um pequeno rancho tocado por duas mulheres, unindo trabalho pesado, renda própria e autonomia.

Sem tanque próprio, levando leite de moto ao tanque comunitário, vendendo ovos, pintinhos e serviço, ela mostra que viver em sítio alugado, com pasto arrendado, galinheiro planejado e mula amansada em doma racional pode garantir renda, autonomia e qualidade de vida mesmo em pequenos produtores familiares resilientes hoje no Brasil

A decisão de viver em sítio não veio de um impulso romântico, mas de uma construção longa. Depois de se formar em zootecnia, trabalhar em fazendas de leite e em empresas da cidade, Lívia manteve um objetivo fixo por anos: voltar para a roça em tempo integral, mesmo sem terra própria, apostando em pasto alugado, tanque comunitário e muita mão na massa ao lado da parceira Denise.

Há cerca de seis anos, as duas assumiram um pequeno sítio em região montanhosa de Minas Gerais, transformando um curral simples e uma casa antiga em um sistema produtivo completo, construído aos poucos. Sem acesso a grandes investimentos, elas decidiram que a única saída seria somar conhecimento técnico, criatividade e uma rotina pesada de trabalho diário, começando com poucas vacas, sem tanque de resfriamento, sem estrutura pronta e com a renda vindo de vários lados ao mesmo tempo.

Do emprego na cidade ao plano de viver em sítio com leite como base da renda

Reportagem mostra como viver em sítio alugado, tirar leite, vender ovos e domar a mula em um pequeno rancho tocado por duas mulheres, unindo trabalho pesado, renda própria e autonomia.

Lívia nasceu no interior, em família de produtores de leite. Cresceu, como ela própria resume, “debaixo da vaca e em cima do cavalo”. Estudou, foi para a universidade, trabalhou como funcionária, mas nunca abriu mão do plano de viver em sítio como projeto de vida e de trabalho.

Quando se mudou para a região de Virgínia, em Minas, encontrou no sítio de Denise o ponto de virada. A propriedade tinha potencial, mas pouca exploração leiteira. Com experiência prática e formação técnica, Lívia enxergou um gargalo e uma oportunidade: com manejo correto, raça adequada e alimentação planejada, era possível tirar leite com regularidade e montar uma pequena estrutura profissional.

A sociedade surgiu daí. As duas dividiram tarefas, investimentos, dívidas, riscos e decisões. A meta inicial era simples e ambiciosa ao mesmo tempo: manter um rebanho saudável, produzir leite todos os dias e fazer o sítio pagar as contas, sem depender de emprego fixo na cidade.

Leite sem tanque: rotina de ordenha, moto engatada e tanque comunitário

Reportagem mostra como viver em sítio alugado, tirar leite, vender ovos e domar a mula em um pequeno rancho tocado por duas mulheres, unindo trabalho pesado, renda própria e autonomia.

No início e até hoje, o maior símbolo da precariedade e da persistência está na logística do leite. O sítio não tem tanque próprio de resfriamento. Em vez de investir em um equipamento caro, as duas optaram por integrar um antigo tanque comunitário, criado há décadas por produtores locais.

Com a autorização herdada de um vizinho mais velho, que cedeu sua cota na associação, Lívia e Denise passaram a colocar o leite ali diariamente. Para isso, criaram uma solução de baixo custo e alta disciplina: ordenham no curral, carregam o leite em latões e levam tudo de moto, em carretinha engatada, duas vezes por dia até o tanque comunitário.

Essa rotina obriga a sincronizar horários de ordenha, estrada de terra, clima e manutenção da moto. Em dias de chuva forte ou atoleiro, a operação fica ainda mais crítica. Mas é o que garante que o leite seja aceito pela indústria, sem perder qualidade por falta de refrigeração imediata.

Organização do curral: coxo em nível, ração calculada e manejo pensado por duas mulheres

Quando chegaram, o curral tinha telhado podre, piso irregular e nenhum coxo funcional. A estrutura foi refeita com eucalipto cortado na própria propriedade e reforçada com técnicas simples ensinadas por um tio vizinho, figura central na transmissão de conhecimento prático.

O ponto mais visível da evolução é o coxo elevado, construído aproveitando um barranco natural. Em vez de carregar balaios de silagem nas costas, descendo o desnível até coxos baixos, as duas redesenharam o terreno. Hoje, enchem um carrinho de mão na trincheira, empurram pela parte alta e simplesmente despejam o volumoso direto no coxo, na altura certa para as vacas.

A ração é formulada com base técnica: mistura de fubá, farelo de soja, polpa cítrica, núcleo mineral e, no frio, caroço de algodão para aumentar a oferta de energia e ajudar no conforto térmico do rebanho. A propriedade consome cerca de uma tonelada de ração por mês, comprada já batida conforme a fórmula enviada por Lívia ao fornecedor, o que reduz mão de obra e perda.

A organização também é marca registrada. O curral é varrido depois da ordenha, as madeiras recebem óleo queimado para aumentar a durabilidade, e as ferragens são padronizadas. O paiol guarda medicamentos, ferramentas, botijão de inseminação e traia de cavalo e mula, tudo etiquetado e protegido de roedores.

Galinhas, ovos coloridos e pintinhos: diversificação obrigatória para viver em sítio pequeno

Em um sítio de porte reduzido, viver em sítio significa diversificar para reduzir risco. Foi assim que nasceu o galinheiro planejado, com ninhos em tubos de PVC, piquetes separados para as chocadeiras e área de circulação ao ar livre.

Hoje, as duas mantêm cerca de 20 galinhas, entre caipiras, de barba e linhagens que botam ovos verdes e azuis. A produção diária gira em torno de uma dúzia a 15 ovos, vendidos na região a aproximadamente 15 reais a dúzia. Quando entram em choco, as galinhas são transferidas para um espaço exclusivo, o que evita que outras aves entrem no ninho e quebrem ovos.

Os pintinhos são vendidos a cerca de 10 reais a unidade, com fila de espera de vizinhos e pequenos produtores que preferem comprar aves já iniciadas em vez de arriscar perdas com gaviões e predadores. Além da renda complementar, o galinheiro funciona como termômetro de sanidade e gestão: a cada visita de cliente, as duas mostram a estrutura, explicam o manejo e reforçam que pequenos sítios precisam de várias fontes de caixa, não apenas do leite.

Cercas, porteiras e paiol: quando duas mulheres assumem toda a infraestrutura do rancho

Além das vacas, das galinhas e da rotina com o leite, Lívia e Denise assumiram todo o trabalho de cercas, porteiras, piquetes e estruturas em madeira. No começo, dependiam do tio vizinho sempre que algo quebrava. Com o tempo, começaram a observar, medir, anotar e reproduzir o trabalho.

Hoje, toda a cerca de arame, as porteiras de régua, o paiol e boa parte da estrutura fixa foram construídos pelas duas. Em dias de chuva, o material é levado para dentro do curral e o tempo é aproveitado para montar novas porteiras, reparar travessas ou reforçar estacas. O paiol elevado protege insumos, evita a entrada de ratos e serve de base para a organização do estoque de ração e medicamentos.

A gestão do sítio é compartilhada, mas com funções claras. Denise domina inseminação artificial, manejo de rebanho e reparos de campo. Lívia cuida da formulação de ração, do planejamento produtivo e de boa parte da interlocução com compradores e clientes. A parceria se apoia em um critério que elas citam abertamente: usar a Bíblia como referência de conduta, para resolver conflitos e alinhar decisões, o que reduz ruídos em momentos de pressão financeira ou de divergência técnica.

Brasa, a mula de marcha que virou símbolo de identidade e de trabalho

Se o leite sustenta a propriedade, a mula Brasa sustenta uma parte importante da identidade de Lívia. A animal nasceu de uma égua da família de Denise, com jumento escolhido a dedo. Desde os seis meses, Brasa foi acostumada a cabresto, toque, corda e contato humano, em processo de doma pensado para longo prazo.

Ao contrário de muitos casos em que mulas são entregues a peões e voltam traumatizadas, Brasa foi domada pela própria proprietária, com reforço de técnicas de doma racional e apoio pontual de um muladeiro experiente, que ajustou o manejo sem violência. As primeiras montarias foram feitas com corda de segurança no membro, até que a confiança mútua permitiu retirar o recurso e seguir apenas com embocadura e comando fino.

Hoje, a mula já participa de cavalgadas, desfiles de exposição e atividades rotineiras no sítio. Em um dos momentos marcantes, Lívia desfilou montada em Brasa tocando o berrante, cumprindo uma meta pessoal que unia a memória do avô violeiro com a nova fase de viver em sítio como escolha definitiva.

Diversidade de renda, YouTube e a ideia de ensinar o que aprendeu na roça

Para garantir que a conta feche, o rancho se apoia em múltiplas fontes de receita: venda de leite via tanque comunitário, ovos, pintinhos, frangos, bezerros machos, prestação de pequenos serviços e, mais recentemente, produção de conteúdo digital.

A rotina do sítio, da ordenha ao trato das galinhas, passando pela doma da Brasa, começou a ser registrada em vídeos curtos. A partir daí, o projeto de canal da roça, com foco em mostrar na prática o que é viver em sítio alugado, sem glamour, ganhou corpo. O objetivo é simples e direto: encurtar o caminho de quem está começando hoje, evitando que outros repitam erros de manejo, investimento ou estrutura que custaram caro nos primeiros anos.

Ao receber visitas de casais interessados em iniciar na atividade leiteira, as duas abrem os números, mostram as dificuldades e deixam claro que o sítio exige estudo. Para lidar com doenças em galinhas, problemas metabólicos em vacas, formulação de ração e construção, é preciso combinar prática, cursos e troca de experiências com quem já está na estrada.

Viver em sítio como escolha de liberdade, trabalho duro e responsabilidade diária

Na avaliação de Lívia e Denise, viver em sítio não é aposentadoria antecipada, tampouco fuga da cidade. É uma escolha por uma rotina de trabalho pesado, sem folga de fim de semana, mas com controle maior sobre o próprio tempo, presença constante na paisagem e participação direta na produção de alimentos.

A liberdade que elas descrevem não está em fazer o que quiserem a qualquer hora, e sim em saber que o rancho depende delas e responde ao esforço diário. Isso inclui acordar de madrugada por causa da ordenha, enfrentar estradas ruins com a moto carregada de leite, refazer cercas derrubadas por chuva ou vento e lidar com meses de margem apertada quando o preço pago pela indústria não acompanha os custos.

Ainda assim, o saldo é positivo para quem trocou ficha de ponto por botas enlameadas. A visão de crianças da cidade descobrindo que o leite não nasce na caixinha, os ovos coloridos saindo de ninhos simples e o barulho do berrante ecoando no fim do dia reforçam, para elas, que a escolha pelo interior tem mais a ver com sentido de vida do que com números de planilha.

Na sua opinião, qual é hoje o maior desafio para quem decide largar tudo e começar a viver em sítio: falta de dinheiro, falta de conhecimento ou medo de não aguentar o ritmo do trabalho diário?

Autor

  • Bruno Teles

    Falo sobre tecnologia, inovação, automotivo e curiosidades. Atualizo diariamente sobre oportunidades no mercado brasileiro.
    Com mais de 7.000 artigos publicados nos sites CPG, Naval Porto Estaleiro, Mineração Brasil e Obras Construção Civil.
    Alguma sugestão de pauta? Manda no brunotelesredator@gmail.com

One thought on “Ela largou emprego na cidade, escolheu viver em sítio alugando pasto, tirando leite sem tanque, levando de moto ao tanque comunitário, vendendo ovos e pintinhos, amansando a própria mula Brasa e provando que duas mulheres tocam um rancho inteiro sozinhas”
  1. […] Ao longo de alguns dias por ano, o vale se transforma em um cenário histórico em escala real. Família, amigos e visitantes de vários estados atravessam o oeste dos Estados Unidos para ver de perto feno sendo cortado sem enfardamento, comer em panelas de ferro sobre fogo aberto, acompanhar crianças aprendendo a usar serras manuais e ouvir, à noite, as histórias por trás dos dois celeiros mais fotografados da América. […]

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