Homem que transferiu R$ 50 mil por engano em 7 de março de 2019 enfrentou calote, acionou a Justiça em Mato Grosso, conseguiu devolver o dinheiro, ganhou R$ 10 mil por dano moral e virou caso exemplo para quem erra transferência bancária, reforçando direitos de correntistas em todo o Brasil
Em 7 de março de 2019, um homem transferiu R$ 50 mil por engano, pagando duas vezes a mesma parcela de um empréstimo a partir de contas diferentes e só percebeu o erro quando o valor já estava totalmente na conta do beneficiário. Avisado do equívoco e cobrado a devolver o dinheiro, o recebedor se recusou a restituir a quantia, alegando que usaria o depósito para compensar outra dívida, sem previsão contratual para isso.
O impasse chegou ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso, onde a Segunda Câmara de Direito Privado julgou o caso em 28 de maio de 2025 e determinou a devolução dos R$ 50 mil corrigidos, além de fixar R$ 10 mil em indenização por dano moral ao homem, com acórdão divulgado em 14 de julho de 2025. A decisão passou a ser citada como referência nacional sobre o que acontece quando alguém erra uma transferência bancária e o recebedor tenta ficar com o dinheiro sem justificativa válida.
Como o homem errou a transferência e por que houve calote
O episódio começou em um contrato de empréstimo que permitia quitar prestações por transferência bancária. Em determinado pagamento, o homem enviou R$ 50 mil duas vezes, a partir de contas distintas, gerando um crédito em duplicidade na conta do credor.
Documentos bancários e uma ata notarial de conversas por aplicativo mostraram que o homem comunicou o erro ao recebedor e pediu a devolução imediata, deixando claro que apenas uma das transferências correspondia à parcela correta. Mesmo assim, o destinatário se recusou a devolver o valor extra e tentou justificar a retenção como se fosse uma compensação por outro débito, que não constava no contrato.
Para o colegiado, essa conduta caracterizou enriquecimento sem causa. Ao manter consigo dinheiro que sabia ser indevido, o recebedor violou a boa-fé contratual e obrigou o correntista a buscar socorro no Judiciário para recuperar um valor alto, que nunca deveria ter permanecido em sua conta.
O julgamento em Mato Grosso e a condenação por dano moral
No julgamento, os desembargadores analisaram extratos, comprovantes de transferência e a ata notarial das mensagens trocadas entre o homem e o beneficiário. A sequência de eventos ficou clara: houve pagamento correto, repetição da transferência, aviso do erro e recusa explícita em devolver o valor excedente.
A Segunda Câmara de Direito Privado do TJMT concluiu que a retenção do dinheiro depositado por engano não tinha qualquer amparo contratual ou jurídico, afastando a tese de compensação com suposta dívida paralela. O tribunal determinou a restituição integral dos R$ 50 mil, corrigidos pelo índice oficial de inflação e acrescidos de juros pela taxa Selic a partir da data do erro.
Além da devolução, a corte entendeu que o comportamento do recebedor ultrapassou o mero aborrecimento. O homem precisou entrar com ação judicial, arcar com custos, enfrentar demora processual e provar o óbvio para reaver quantia elevada, o que configurou dano moral. Por isso, foi fixada indenização de R$ 10 mil, com atualização monetária e juros, também em caráter pedagógico para desencorajar novas retenções indevidas.
Provas que garantiram a vitória do homem na Justiça
Um ponto central da decisão foi a robustez do conjunto probatório. O homem apresentou extratos bancários que mostravam a transferência em duplicidade, comprovantes dos pagamentos e a ata notarial que reproduzia as conversas em que ele explicava o erro e pedia devolução.
Essa documentação permitiu ao tribunal reconstruir a linha do tempo sem dúvidas: data do pagamento, repetição da transferência, ciência do engano pelo recebedor e negativa expressa de devolução. Com essa trilha de provas, a tese de que o valor extra quitaria outra obrigação perdeu força, pois não havia documento algum autorizando essa compensação.
O caso ilustra como, em disputas envolvendo transferências bancárias equivocadas, provar o engano e demonstrar a boa-fé do pagador é decisivo para o desfecho. Ao mesmo tempo, deixa claro que a recusa injustificada em devolver valores recebidos por engano pode gerar condenação financeira e moral.
Por que o caso vale para transferências via Pix
Embora o processo tenha sido registrado formalmente como transferência bancária tradicional, o entendimento do TJMT também interessa a quem erra uma operação via Pix. Na prática, não importa se o dinheiro saiu por TED, DOC ou Pix: se o valor não era devido, deve ser restituído.
O tribunal reforçou que o recebedor não pode se aproveitar do erro alheio para se enriquecer sem causa. Se o beneficiário é avisado, compreende o engano e mesmo assim se recusa a devolver a quantia, abre espaço para responsabilidade civil, com devolução do principal e eventual dano moral, dependendo das provas e da gravidade da situação.
A diferença, no Pix, está em mecanismos adicionais criados pelo Banco Central, como o Mecanismo Especial de Devolução, conhecido como MED, que permite bloquear valores e tentar revertê-los em casos de fraudes ou golpes comunicados dentro do prazo. Mesmo assim, se o MED não resolver, o caminho judicial continua disponível, exatamente como fez o homem deste caso.
Lições para quem erra transferência e direitos do correntista
O caso julgado em Mato Grosso mostra que o correntista não está desamparado quando erra uma transferência de alto valor. Se o homem tivesse se conformado com a recusa e não buscasse a Justiça, o prejuízo de R$ 50 mil provavelmente seria definitivo, ainda que o dinheiro fosse sabidamente indevido para o recebedor.
A decisão reforça alguns pontos práticos. Quem perceber a transferência errada deve agir rápido, avisar o banco, guardar comprovantes, registrar o histórico de conversas com o destinatário e formalizar o pedido de devolução. Se a outra parte ignorar a solicitação ou declarar que ficará com a quantia sem base contratual, a documentação reunida será vital em eventual ação.
Ao mesmo tempo, o julgamento deixa um recado a quem recebe dinheiro que não lhe pertence. Manter valores sabidamente indevidos contraria a boa-fé e pode gerar condenação não só à restituição, como também ao pagamento de dano moral, especialmente quando o pagador precisa acionar o Judiciário para corrigir o erro.
Transformado em exemplo nacional, o caso do homem que transferiu R$ 50 mil por engano e saiu da Justiça com o dinheiro de volta e R$ 10 mil em indenização mostra que a legislação protege quem comprova o equívoco e age com transparência, mas também pune a tentativa de transformar erro bancário em ganho pessoal.
Diante dessa decisão, se você fosse o homem que percebeu a transferência errada saindo da sua conta, qual seria seu primeiro passo imediato: falar com o banco, contatar o recebedor, acionar o MED do Pix ou procurar um advogado?

