Com a Lei do superendividamento, famílias que comprometem mais de cinquenta por cento da renda com cartões, empréstimos e contas essenciais podem pedir ao Judiciário um plano único com parcela máxima de 35 por cento, carência de até seis meses e descontos considerados gigantes pelos próprios credores envolvidos no processo.
Em 2025, com mais de 80 por cento das famílias brasileiras endividadas, a Lei do superendividamento se consolidou como o caminho oficial para quem já não consegue pagar todas as contas do mês nem depende mais de feirão de renegociação ou da boa vontade do gerente do banco.
De acordo com o advogado especialista Antonio Galvão, na prática, o consumidor superendividado pode reunir em um único processo judicial dívidas de cartão de crédito, cheque especial, empréstimos pessoais e contas do dia a dia, pedir carência de até seis meses, limitar parcelas a 35 por cento da renda líquida e buscar cortes considerados gigantes no valor total devido.
Quando a dívida vira superendividamento
Segundo a lógica da própria Lei do superendividamento, nem todo endividado é superendividado. A situação fica crítica quando a pessoa não consegue mais pagar a totalidade das dívidas com a renda mensal que recebe, mesmo fazendo cortes duros no orçamento da casa.
Nos casos enquadrados na Lei, o ponto de alerta é quando mais de 50 por cento da renda líquida está comprometida com empréstimos e demais dívidas.
Em um exemplo prático, se alguém ganha 3.000 reais limpos e a soma das parcelas passa de 1.500 reais, o orçamento entra na zona de superendividamento e a família começa a escolher entre pagar banco, plano de saúde, escola, mercado ou gasolina para trabalhar.
É justamente para evitar que o consumidor tenha de escolher entre pagar o banco ou colocar comida na mesa que a Lei do superendividamento foi criada, oferecendo um rito judicial específico para reorganizar tudo de forma coletiva, em vez de empurrar a pessoa para novos empréstimos que alimentam a bola de neve.
Como a Lei limita as parcelas e gera descontos
Ao acionar a Lei do superendividamento, todas as dívidas enquadradas no processo passam a ser recalculadas de modo que a soma das parcelas não ultrapasse 35 por cento da renda líquida. No exemplo do salário de 3.000 reais, a parcela total cairia para algo em torno de 1.000 reais por mês.
Na prática, isso já representa um corte próximo de 50 por cento nas parcelas mensais, aliviando o caixa de quem estava sufocado.
O maior impacto da Lei aparece quando o juiz combina esse teto de 35 por cento com o prazo máximo de 60 meses para quitação, definido diretamente no plano judicial.
Se, mesmo depois de limitar a 35 por cento da renda, o valor total não couber em 60 prestações, tudo o que exceder esse limite é transformado em desconto, reduzindo de forma agressiva o saldo devedor. Esse mecanismo é o que tem garantido reduções consideradas absurdas em casos concretos relatados por quem trabalha com defesa de endividados.
Além disso, a Lei do superendividamento permite carência de até 180 dias para começar a pagar a primeira parcela do acordo judicial, dando um fôlego raro para reorganizar o orçamento sem precisar recorrer a mais crédito para tapar buracos antigos.
Que dívidas podem entrar na Lei e quais ficam de fora
A Lei do superendividamento não vale para toda e qualquer obrigação financeira. Ela foi desenhada para atacar principalmente as dívidas que sufocam o dia a dia das famílias, deixando de fora o que tem garantia real, caráter alimentar ou natureza penal.
Em geral, podem ser renegociadas pela Lei do superendividamento:
- cartão de crédito e crédito rotativo
- cheque especial
- empréstimos pessoais sem garantia real
- renegociações anteriores desses contratos
- dívidas bancárias sem carro, casa ou avalista vinculados
- contas básicas de luz, água, telefone, internet e serviços essenciais
- compras parceladas no cartão ou no carnê, inclusive cartões de loja
- limites usados em contas digitais
- acordos com bancos e financeiras
- boletos de consumo em geral, como os de farmácia ou varejo
Por outro lado, a Lei do superendividamento não autoriza negociar tudo. Ficam fora do plano judicial:
- financiamento de imóvel
- crédito rural
- leasing
- tributos
- pensão alimentícia
- multas, inclusive de trânsito
- obrigações penais indenizatórias
- empréstimos com garantia de bens essenciais
- créditos de luxo, como uso do dinheiro para comprar barco ou mansão
- dívidas resultantes de fraude ou má fé, como quando o devedor nunca paga sequer a primeira parcela
- dívidas trabalhistas ligadas ao CPF do empregador
- dívidas ligadas diretamente a jogos e apostas
Nos casos em que a pessoa toma empréstimo e, na sequência, direciona o valor para casas de aposta, o banco pode juntar os registros e tentar impedir a aplicação da Lei do superendividamento, alegando uso indevido do crédito. O risco é alto e pode fechar a porta da renegociação judicial.
Plano de pagamento imposto pela Lei
Quando o pedido é aceito, a Lei do superendividamento autoriza o juiz a montar um plano de pagamento que distribui o que o consumidor consegue pagar entre todos os credores, sempre respeitando o limite de 35 por cento da renda.
Esse cronograma pode prever, por exemplo, que durante alguns meses apenas um banco receba as parcelas, depois outro credor entra na fila e assim sucessivamente, até que todos tenham sido contemplados dentro do prazo de até 60 meses.
O que não couber nesse período, dentro da margem de 35 por cento, vira desconto obrigatório.
Além do redesenho das parcelas, o consumidor superendividado, ao acionar a Lei, também pode conseguir carência de até 180 dias para começar a pagar o novo acordo judicial, período em que a pressão por ligações de cobrança e ameaças de processo perde força enquanto o plano é estruturado e homologado.
Duas fases da Lei: conciliação e processo judicial
O procedimento da Lei do superendividamento é dividido em duas grandes fases. A primeira é a fase conciliatória, em que o consumidor chama todos os credores para uma audiência coletiva sob supervisão de um juiz, com foco exclusivo em propostas de acordo.
Nesse estágio inicial, o banco não pode discutir a dívida nem contestar o pedido.
A participação é restrita a apresentar propostas dentro dos parâmetros da Lei do superendividamento, o que dá ao consumidor uma posição muito mais equilibrada do que na negociação isolada com cada instituição.
Se a conciliação não funciona e não surge uma proposta minimamente viável, o caso avança para a fase judicial propriamente dita.
A partir daí, a Lei permite que o juiz imponha o plano, fixe a parcela máxima em 35 por cento da renda líquida e determine os descontos necessários para tornar o pagamento possível dentro do prazo máximo de 60 meses.
Como acionar a Lei do superendividamento na prática
Para iniciar o procedimento, a porta de entrada mais comum é pelos Procons e Tribunais de Justiça estaduais, que já disponibilizam formulários específicos de superendividamento ligados à aplicação da Lei.
Em geral, o consumidor precisa informar dados pessoais, renda média mensal, renda familiar e as principais despesas correntes, como aluguel, luz, água, condomínio e alimentação.
Na sequência, a pessoa lista cada credor, indicando nome da instituição, CNPJ, valor aproximado da dívida, existência ou não de processo, se há desconto em folha, se o contrato foi entregue e se já houve tentativas anteriores de negociação.
Esse mapa completo das dívidas é a base para o desenho do plano previsto na Lei do superendividamento.
Como os formulários variam de estado para estado e podem ser longos, muitos preferem contratar um advogado especializado para conduzir todas as etapas da Lei do superendividamento, do preenchimento ao acompanhamento das audiências e decisões.
Ainda assim, é possível acionar o procedimento sem advogado, desde que o consumidor esteja disposto a enfrentar a burocracia e a responder diretamente aos bancos e ao Judiciário.
Cuidados, limites e impactos no histórico de crédito
Mesmo oferecendo um recomeço, a Lei do superendividamento não é um convite para usar crédito de forma irresponsável. Dívidas assumidas com má fé, uso abusivo de empréstimos ou tentativas de fraudar o sistema podem levar o juiz a negar a proteção.
Além disso, atrasos prolongados e contratos não honrados podem resultar em registros em cadastros restritivos mantidos pelo Banco Central, considerados ainda mais duros que SPC e Serasa.
Sair dessa lista leva tempo e exige disciplina depois da aplicação da Lei e da reestruturação das dívidas.
A lógica da Lei do superendividamento é clara: garantir que o consumidor consiga manter o sustento da casa, pagar o que é possível dentro da realidade da renda e interromper o ciclo de tomar novos empréstimos para cobrir dívidas antigas.
E você, diante das regras da Lei do superendividamento, usaria esse caminho judicial para reorganizar todas as suas dívidas de uma vez ou ainda tentaria negociar separadamente com cada banco e empresa?

