Em 27 de julho de 2025, multinacional ADM confirma o fechamento da fábrica de ração em Três Corações, avaliada em até R$ 1,5 bilhão, demite quase mil trabalhadores de uma vez e deixa a economia local em choque com o futuro da indústria de pet food na região mineira hoje
Em 15 de julho de 2025, a multinacional ADM reuniu funcionários em Três Corações, no sul de Minas, e anunciou o encerramento de uma das maiores fábricas de ração para pets do Brasil, com capacidade anual superior a 500 mil toneladas e investimento avaliado entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão. Na mesma reunião, a empresa comunicou que a unidade seria desativada em até 90 dias, após escoamento de estoques e desligamento técnico das linhas de produção.
Doze dias depois, em 27 de julho de 2025, a confirmação pública do fechamento consolidou uma demissão em massa de cerca de 900 trabalhadores em uma cidade com pouco mais de 80 mil habitantes, além do impacto estimado em mais de 300 empregos indiretos ligados a fornecedores, transportadoras e serviços terceirizados. O caso expõe a dependência da economia local em relação a uma única multinacional e reacende o debate sobre vulnerabilidade industrial no interior do Brasil.
Como a multinacional transformou Três Corações em polo de pet food
A fábrica de Três Corações foi adquirida pela multinacional em 2019, dentro de uma estratégia para ampliar presença no mercado brasileiro de nutrição animal. A planta tornou-se rapidamente um dos pilares da divisão de pet food na América Latina, empregando cerca de 900 pessoas e produzindo mais de 500 mil toneladas anuais de alimentos para cães e gatos.
A unidade reunia escala produtiva, mão de obra especializada e logística conectada a todo o Sudeste, o que reforçava o papel de Três Corações como ponto estratégico na cadeia de suprimentos de ração. Em termos de ativos físicos e capacidade instalada, o complexo industrial mineiro figurava entre os mais avançados do segmento no país.
Ao longo de mais de um ano, a multinacional tentou vender a fábrica, com negociações na faixa de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão. Sem encontrar comprador disposto a assumir a operação nas condições desejadas, a empresa decidiu encerrar as atividades, transformando um ativo bilionário em um problema imediato para trabalhadores, fornecedores e autoridades locais.
Fechamento em 90 dias e demissão em massa de quase mil trabalhadores
O aviso de encerramento comunicado em 15 de julho veio acompanhado de um cronograma acelerado. A multinacional estabeleceu prazo de 90 dias para desativar completamente a planta, mantendo apenas funções básicas de escoamento de estoque e desligamento dos sistemas industriais. A operação, que por anos funcionou em regime de alta capacidade, passou a operar em modo de desmobilização.
Na prática, isso significa que quase mil trabalhadores serão desligados em um intervalo muito curto, concentrando em um único trimestre o choque de renda e emprego em Três Corações. Muitos dos funcionários têm trajetória longa na fábrica e experiência específica em nutrição animal e processos de pet food, o que torna a recolocação mais complexa em um mercado local limitado.
Sindicatos da região já começaram a organizar assembleias para negociar com a multinacional alternativas de transição, indenizações e eventuais programas de realocação. Até o momento, não há anúncio detalhado de plano de suporte estruturado, o que aumenta a sensação de incerteza e alimenta o clima de apreensão na cidade.
Efeito dominó na economia local e na rede de fornecedores
O fechamento da fábrica não atinge apenas quem está na folha de pagamento da multinacional. A planta era um dos maiores motores da economia local, irrigando comércio, serviços e pequenas empresas industriais que dependiam diretamente dos contratos com a unidade.
Estima-se que mais de 300 empregos indiretos estejam em risco, entre transportadoras, fornecedores de insumos, empresas de manutenção e prestadores de serviços terceirizados. Para muitos desses negócios, a fábrica de ração representava o principal cliente ou uma fatia significativa da receita anual.
Em uma cidade de porte médio como Três Corações, a súbita perda de quase mil salários formais e de dezenas de contratos empresariais tende a reduzir consumo, arrecadação de impostos e investimentos, ampliando o risco de uma espiral negativa com fechamento de pequenos negócios e aumento do desemprego. O temor é que a saída da multinacional crie um vácuo difícil de preencher em prazo curto.
Por que a multinacional decidiu sair e apostar em outra rota global
O fechamento da unidade mineira se insere em uma reestruturação global anunciada pela multinacional, que planeja economizar entre US$ 500 milhões e US$ 750 milhões com corte de custos, fechamento de fábricas, demissões e redirecionamento de investimentos para mercados considerados mais estratégicos.
Enquanto encerra a operação em Três Corações, a empresa amplia sua presença no México, com uma nova planta de alimentos úmidos para pets em Yecapixtla. A decisão indica uma mudança de foco geográfico, aproximando a produção do mercado dos Estados Unidos e de uma estrutura regulatória e tributária vista como mais previsível e competitiva.
Esse movimento reforça uma tendência global de centralização de unidades produtivas em países com custos operacionais mais estáveis e incentivos fiscais agressivos. Do ponto de vista da matriz, fechar uma fábrica de ração bilionária no Brasil e abrir outra no México faz parte de uma mesma lógica de otimização de portfólio mundial. Para Três Corações, porém, o resultado concreto é a perda da presença da multinacional que sustentava parte da economia.
Indústria de pet food cresce, mas fica mais concentrada
Apesar do impacto local, o mercado brasileiro de pet food continua em expansão. Em 2024, o setor movimentou mais de R$ 42 bilhões, com forte participação de grandes grupos como Nestlé, Mars e PremieRPet. A saída da multinacional ADM abre espaço para uma reorganização desse mercado, mas tende a reforçar a concentração nas mãos de poucas companhias.
Sem a planta de Três Corações, é improvável que outro operador preencha rapidamente a lacuna de 500 mil toneladas anuais de produção. Isso pode pressionar a cadeia de abastecimento, reduzir a competição regional e, no limite, encarecer produtos para o consumidor final, sobretudo em linhas específicas de ração que dependiam da escala local.
Para fornecedores menores, a retirada da multinacional significa perda de contratos de grande volume e necessidade de buscar novos clientes em um cenário dominado por gigantes globais. A combinação de concentração de mercado e perda de capacidade produtiva interna levanta dúvidas sobre o futuro da indústria de pet food brasileira no médio prazo.
Planta bilionária pode virar fábrica fantasma e símbolo de desindustrialização
Além das demissões e da perda de arrecadação, o caso levanta uma questão estrutural: o Brasil ainda consegue manter multinacional industrial operando em cidades de médio porte sem perder competitividade tributária, logística e regulatória? A história recente mostra que o país acumula exemplos de fábricas desativadas que se transformaram em galpões vazios, deteriorando-se ao longo dos anos.
Em Três Corações, o desafio imediato é evitar que uma planta avaliada em até R$ 1,5 bilhão se torne mais uma fábrica fantasma no interior. Isso exige articulação entre governos estadual e municipal, setor privado e possíveis novos investidores, seja para retomar a produção de ração, seja para adaptar o complexo a outra atividade industrial.
Ao mesmo tempo, o fechamento expõe fragilidades da política industrial brasileira. Quando uma multinacional decide sair, a cidade descobre o tamanho da dependência só depois do anúncio de demissão em massa, sem instrumentos claros para reagir com rapidez. O debate sobre incentivos, segurança jurídica e condições de investimento ganha urgência diante de cada planta que fecha as portas.
Diante desse cenário, na sua opinião, Três Corações ainda conseguirá atrair outra multinacional para ocupar essa fábrica de ração bilionária ou o complexo corre o risco de virar mais uma planta fantasma na indústria de pet food do interior do Brasil?

