Enquanto o Uruguai soma quatro vacas por habitante, mate em cada canto, ensino público gratuito até a universidade, eletricidade gerada em mais de 95 por cento por fontes renováveis e porto natural estratégico, o Brasil segue distante desses indicadores de bem-estar, estabilidade institucional e desenvolvimento sustentável em relação ao vizinho.
De país pequeno espremido entre Brasil e Argentina, o Uruguai virou caso de estudo na região. Em 1930, sediou e venceu a primeira Copa do Mundo, e em 2013 voltou ao centro do debate global ao legalizar a maconha sob controle estatal.
Essas datas marcam apenas alguns marcos de um projeto nacional que combina educação pública gratuita em todos os níveis, energia elétrica produzida em grande parte por fontes renováveis e uma rotina em que o mate, as praias, o porto de Montevidéu e a cultura gaúcha ajudam a explicar por que tanta gente vê o Uruguai como sinônimo de qualidade de vida.
Qualidade de vida em um país compacto
Pequeno em território, o Uruguai ocupa um espaço desproporcional no imaginário da América do Sul. O país se projetou como referência em qualidade de vida e estabilidade democrática, com um litoral de longas faixas de praia, natureza preservada e cidades que crescem sem abandonar a escala humana.
Em Montevidéu e em destinos como Punta del Este, a paisagem mistura praias, iates e arquitetura icônica, como a Casapueblo, famosa construção branca à beira de um penhasco que inspirou a canção “Era uma casa muito engraçada…”, de Vinicius de Moraes. Cidades como Salto preservam um ar provinciano e permitem conhecer o interior, enquanto passeios como o Trem dos Pampas mostram de perto a região de fronteira entre Brasil e Uruguai.
Quatro vacas por pessoa e a força da pecuária
Basta olhar para o campo para entender a força da pecuária. O Uruguai abriga uma população de gado quase quatro vezes maior que a humana, o que na prática significa cerca de quatro vacas por habitante. A carne aparece como produto central da economia, da cultura e do churrasco do fim de semana.
Essa abundância de rebanhos se conecta à figura do gaúcho, o homem da planície e do cavalo, que segue presente na cultura rural uruguaia. Em estâncias espalhadas pelo interior, o trabalho ligado ao gado mantém vivos costumes equestres e modos de vida históricos que ajudam a sustentar o campo.
Mate em cada canto como símbolo nacional
No Uruguai, é difícil caminhar por ruas, orlas e parques sem ver alguém com cuia na mão. O mate deixa de ser só bebida e vira ritual diário, sinal de acolhimento, conversa e pertencimento. A garrafa térmica acompanha moradores do trabalho à praia, do banco da praça ao sofá de casa.
O gesto de compartilhar a cuia organiza encontros, pausas e conversas. Em vez de ficar restrito a ocasiões especiais, o mate ocupa o centro da vida cotidiana, reforçando uma identidade comum que atravessa gerações e classes sociais.
Ensino público gratuito e alfabetização elevada
Entre os diferenciais mais marcantes está a educação. O ensino público é gratuito em todos os níveis no Uruguai, inclusive na universidade, o que abre espaço para que jovens de diferentes origens cheguem ao ensino superior sem depender de mensalidades. Isso se reflete em um dos índices de alfabetização mais altos da América Latina.
Nas cidades, é comum que a universidade pública faça parte da vida urbana, aproximando pesquisa, cultura e cotidiano. Em vez de ser um espaço exclusivo, o campus se integra ao entorno, reforçando a ideia de que educação é política de Estado e não privilégio de poucos.
Porto de Montevidéu como porta do Atlântico Sul
A posição geográfica do Uruguai também conta. A capital, Montevidéu, abriga o maior porto natural do Atlântico Sul, peça central para o fluxo comercial da região. Mercadorias e passageiros circulam pelo terminal, que conecta o país a rotas marítimas estratégicas e amplia sua influência econômica.
Esse porto reforça o peso do Uruguai nas cadeias logísticas sul-americanas e ajuda a explicar por que um território tão pequeno aparece em discussões sobre comércio internacional, transporte e competição entre portos da região.
Energia limpa com mais de 95 por cento da eletricidade renovável
Se em muitos países a transição energética ainda caminha devagar, o Uruguai já virou exemplo. Mais de 95 por cento da eletricidade do país é produzida a partir de fontes renováveis, o que faz do país uma referência mundial em sustentabilidade. A própria bacia do Rio Uruguai tem grande potencial hidrelétrico e compõe esse cenário.
Esse desempenho coloca o país em destaque nos debates sobre meio ambiente, mostrando que é possível combinar crescimento econômico, segurança energética e respeito ambiental. Para o morador comum, isso se traduz em uma matriz elétrica menos dependente de combustíveis fósseis e mais alinhada à ideia de responsabilidade com o planeta.
Candombe e herança afro na identidade nacional
A cultura também aponta diferenças. O candombe, ritmo afro-uruguaio de forte expressão popular, é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade e enche as ruas com tambores em datas festivas. Ele revela a presença e a resistência da população negra na formação do Uruguai.
Desfiles, festas de bairro e apresentações ao ar livre mantêm o candombe vivo, funcionando como ponte entre passado e presente. Ao lado de outros ritmos, ele ajuda a explicar por que o Uruguai guarda uma vida cultural intensa, apesar da população reduzida.
País considerado o mais seguro para pessoas LGBTQIAPN+ na região
Outro aspecto que costuma surpreender brasileiros é a forma como o Uruguai lida com direitos civis. O país é considerado o mais seguro para pessoas LGBTQIAPN+ na América Latina, o que reforça a imagem de sociedade mais aberta e acolhedora em comparação com vizinhos.
Esse ambiente mais protetivo não significa ausência de conflitos, mas mostra um compromisso institucional com a defesa de minorias sexuais e de gênero. Para turistas e moradores, a combinação de leis mais avançadas e percepção de segurança aumenta a sensação de liberdade no dia a dia.
O espírito do gaúcho e o interior preservado
No campo, a figura do gaúcho segue central. O homem do campo e da planície, ligado ao cavalo e às lidas com o gado, aparece em festas tradicionais, trajes, músicas e narrativas que circulam pelo país. O Uruguai preserva essa imagem como parte central de sua identidade coletiva.
Para quem viaja além de Montevidéu e do litoral, cidades como Salto revelam um interior de ritmo mais lento, onde ainda é possível sentir o provincianismo descrito por muitos viajantes. A combinação de campo, pequenas cidades e estradas rurais reforça a ideia de um país que não quebrou o vínculo com suas raízes.
Futebol, Copa de 1930 e orgulho esportivo duradouro
No futebol, o Uruguai ocupa um lugar maior do que seu tamanho sugere. O país sediou e venceu a primeira Copa do Mundo, em 1930, e desde então sua seleção é vista como uma das mais fortes do continente. As conquistas alimentam um sentimento de orgulho esportivo profundamente enraizado.
Das ruas de Montevidéu aos estádios lotados, o futebol funciona como outro ponto de contato com o Brasil, mas com uma diferença: para muitos uruguaios, lembrar 1930 é reafirmar a ideia de que um país pequeno pode desafiar gigantes e sair vitorioso.
Pioneirismo social na legalização da maconha
Em 2013, o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a maconha sob controle estatal, mudando completamente a forma de lidar com a droga. A decisão gerou debates intensos fora e dentro do país e colocou Montevidéu no radar de especialistas em políticas de drogas.
Mais do que uma medida pontual, o movimento evidencia uma tradição de políticas sociais que tentam enfrentar problemas complexos com regulação e debate público, em vez de apenas repressão. Para quem observa de fora, esse pioneirismo ajuda a entender por que o Uruguai é frequentemente citado como laboratório de experiências progressistas.
Um modelo que contrasta com o gigante brasileiro
Somando práticas como educação gratuita, energia majoritariamente renovável, porto estratégico, proteção a minorias e tradição cultural viva, o Uruguai constrói uma imagem de país que consegue equilibrar desenvolvimento e bem-estar em um território compacto. Não se trata de paraíso, mas de um projeto de sociedade claramente diferente do brasileiro.
Enquanto o Brasil segue lidando com desigualdades profundas e desafios estruturais, o vizinho menor mostra que algumas escolhas de longo prazo podem redesenhar o cotidiano de milhões de pessoas. A comparação é inevitável e ajuda a explicar por que tantos brasileiros voltam de lá dizendo que o Uruguai “dá banho” no país.

